As horas arrastam-se quando estamos entediados em uma madrugada em que o sono nos abandonou, não? Ouvimos grilos a cricrilar, cachorros, lá fora, a latir para o que quer que se movimentasse à noite.
Resolvi ler um pouco, já que nenhuma gota de sono chegou, até o momento. ‘‘Ler dá sono’’, é o que diz quem não gosta de ler. Eu, que gosto, resolvo crer, pela primeira vez na vida, nessa constatação dos inimigos da leitura. Apesar de ser um amante dos livros, ali, tudo o que eu desejava era ser contemplado pelo necessário adormecer.
Estava indo para a trigésima segunda página quando ouvi um barulho vindo do quintal. O único ser vivo que eu já havia visto por lá, excetuando as plantas, era um simpático réptil que fazia da entrada do esgoto a sua morada. Uma pequena lagartixa.
Ocorre que o barulho não parecia ter sido provocado por tão inofensivo e frágil inseto. Parecia mais som de alguém que havia pulado de cima de um muro para dentro do quintal. Sim, um invasor talvez estivesse se fazendo presente lá fora. O que ele queria? Dinheiro? Objetos de valor? Coitado. Se for isso, deu a viagem por perdida.
Por outro lado, seria alguém que desejaria o meu mal, e, nisso, resolvera por em prática o malefício contra a minha pessoa? Mas o que eu fiz de ruim para quem quer que seja? Não me recordo de ter prejudicado alguém. Se o fiz, foi a muito tempo. O invasor deveria ter considerado o prejuízo como caducado. Pra quê guardar tanto rancor?
Em todo caso, resolvi ficar em silêncio e espiar pela fresta da porta, para ver se conseguiria identificar o meliante, o animal ou o meliante-animal, que seja. O certo é que tinha algo – ou alguém – lá fora, e eu não sabia o que ou quem era. E aquilo estava me dando nos nervos. Sentia aflição, ira e curiosidade, tudo ao mesmo tempo. Senti vontade, também, de fumar e beber… Mas não poderia fazer qualquer barulho naquele momento.
É interessante como, quando estamos correndo um risco de morte iminente, pensamos em como foi a nossa vida até o presente momento. E também pensamos primeiramente nas pessoas que mais amamos. E como será, doravante, a existência delas sem você em suas vidas. Uma estranha sensação de angústia e saudosismo misturam-se com a, estimulada pelo perigo, vontade de viver.
Algo brilhou em meio à escuridão. Eram olhos! Olhos humanos? Não consegui identificar. Estava apavorado pela aparição daqueles olhos invasores que sondavam o meu quintal! Eu precisava fazer algo! Encarar a fera, o bandido ou seja lá o que fosse que penetrou o terreno sagrado de um homem: o seu lar!
Cauby Fernandes é contista, cronista, desenhista e acadêmico de História
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