Vício. Falsas aparências. Falsas amizades. Degradação. Ilusões perdidas. Fossa. Sertanejo. Brega: na música, nas roupas. Confissões estranhas de desconhecidos etc.
Todos os dias tenho encontro marcado com tudo isso. Já me acostumei. A propósito: eu me chamo Hugo. Mas atendo por “amigo”, “ei”, “xiu”, “psiu” etc. Já me acostumei também.
Quando eu comecei neste trampo já não existia a palavra “gorjeta”. Não. Era os dez por cento, acrescentado na conta final. Minha parte.
Não preciso sorrir, nem ser muito polido. Afinal, isto aqui é Brasil. Basta não errar o pedido, não demorar muito no atendimento etc.
Eu sou flexível. Não levo nada para o lado pessoal, justamente pelo que disse no início: Vício… Ilusões perdidas… etc. Por isso também não sou demitido: eu quem peço a conta final, sempre.
A única coisa que me deprime é o meu colega de trabalho, o Daniel. Ele se acha sabido, esperto, mas não passa de um X-9.
Dia desses ele chegou falando de um livro que supostamente leu (duvido muito).
– Hugo, você já leu “A mente milionária? Você precisa ler esse, cara!”. Perdi a paciência:
– Não li, mas só o que conheço é pobre com a mente milionária.
Outro dia ele veio com uma que vou te dizer. Deu nos nervos. “Hugo, sabia que toda mulher bonita é solitária?”
“Rapaz, um cara que eu sigo disse que é batata: só chegar na gata e dizer que percebeu uma certa solidão nela.”
Apontei para uma mesa, acho que a 12, onde tinha uma loira linda, escultural. Disse “Testa essa teoria lá, Daniel. Acho que você se dará bem”.
Vocês acham, ele foi? Pobre não tem amantes, essa é a real. Se tem, pode ter dez que não dá uma. Pelo menos não uma que chegue aos pés das mulheres que passam por aqui.
Sendo garçom, nada escapa aos meus olhos de águia. Daniel, coitado, deu para fazer academia e acha que seus problemas acabaram. Ficando musculoso, arranjará muitas namoradas. Só rindo.
Agora, vou te dizer uma. Bem, posso dizer porque, afinal, não disse onde trabalho e minto um pouco – faz parte do meu show. Meu nome pode não ser Hugo, e sim Selmo, Ganialdo ou Beltiam.
Meu patrão. Pois é:deixei a cereja do bolo para o final. Às vezes ele bebe aqui. Fica até altas horas, e nós, consequentemente, também.
Sempre que está bêbado conta a mesma história. A história de uma tal de “Bete” (confesso que esse suposto nome é forte). Uma mulher com quem ele teve um relacionamento intenso e curto.
Chega a ser patético a parte em que ele fala como a perdeu para o melhor amigo etc. Diz que a culpa é dele mesmo, por não ter valorizado etc.
Uma vez chorou ao lembrar que ela chegou a fazer um aniversário surpresa para ele – parece que ela era mesmo surpreendente…
E no final, para fechar, conta que foi convidado para o casamento da ex-namorada com o ex-amigo – e quase entra em parafuso. Ir ou não ir?
Agora imaginem um bando de homens cansados, em fim de expediente, tendo de opinar se, sendo eles, iriam ou não ao casamento.
Bem, ele foi. Apertou a mão dos dois e fingiu ter superado. Hoje bebe muito e também finge estar num casamento feliz etc. É como eu disse no começo: vício, falsas aparências, falsas amizades…
Marcos Alexandre: Pai de Edgar, leitor, Professor de literatura e redação, cinéfilo e aspirante a escritor.
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