Chovia muito quando o avião caiu. Com exceção de uma pessoa, todas morreram na queda a aeronave. O local da tragédia, um imenso verde bucólico, era uma área completamente desconhecida para o agora único ser vivente. Ele deixara a sua cidade para uma reunião de negócios com empresários italianos do ramo de eletrodomésticos. Não chegou ao seu destino desejado.
Sobreviver na floresta não é coisa para amadores. O frio, o medo, as fraturas advindas do acidente, os perigos dos animais selvagens, a ausência de conhecimento do terreno, a falta de mantimentos e de água potável, tudo era uma grande e angustiante incerteza, uma espécie de inferno tropical.
O celular descarregou. Não havia comunicação desde antes, mas, agora, já não podia mais ver a foto da esposa e das suas duas filhas. Os únicos seres vivos que tinha como companhia, não eram humanos, eram insetos e animais de pequeno porte… Mas agradeceu por não ter topado com nenhum feroz carnívoro de presas e garras poderosas, capaz de estraçalhar um ser humano em questão de segundos.
Já era a terceira noite que dormia em cima de uma grandiosa árvore. Fez dela a sua casa. Sempre demorara bastante para dormir. Ficava pensando sobre sua vida até ali, naquela inusitada e inimaginável circunstância. Fez verdadeiras redefinições de valores A dor na perna esquerda, machucada no acidente, diminuía a cada dia.
Perdido, já não sabia o caminho até os destroços do avião; se ia a leste, oeste, norte ou sul…. Arrependera-se, naquele instante, de nunca ter aprendido a se localizar pelas estrelas à noite. Dos pontos cardeais, só sabia o nome mesmo. Lembrou do nome ‘‘Ursa Maior’’, mas não sabia do que se tratava: se era uma estrela, uma constelação, ou seja, lá o que for. Era um homem de negócios, não um geógrafo… Mas, ali, gostaria de sê-lo.
As frutas que encontrava pelo caminho, abrindo pequenas sendas a esmo, não satisfazia o seu apetite carnívoro. Como ele desejava uma costela assada, um gorduroso bovino na brasa ou até mesmo um gordo galeto a dançar no forno do restaurante da esquina da sua casa. Começara a perder peso, o que notou ao ver sua calça, dia a dia, ficar mais folgada. Era preciso lutar pela sobrevivência!
Mas como renovar as forças quando elas estão se extinguindo de um todo? Quando a vista escurece e a fé é abalada? Quando não se sabe se continuará vivo até o anoitecer? Quando a ideia de retorno à civilização e a retomada da vida parecem impossíveis para ele? Quando a dura realidade desmancha.
Resolveu que iria dormir em uma nova árvore… Talvez o novo endereço lhe trouxesse um novo acalanto e renovação; que as ideias fluíssem e ele encontrasse, por sorte ou não, a saída daquela prisão natural.
Cauby Fernandes é contista, cronista, desenhista e acadêmico de História
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