
Kleyton Bandeira
Cantor, compositor e pesquisador cultural
Imagina uma mulher pobre e negra que é obrigada a se casar com apenas 12 anos de idade. Imaginou? Pois bem, essa mesma mulher se torna mãe aos 13. Vai imaginando aí! Para criar seus filhos, ela vai trabalhar como faxineira e aos 21 anos, com quatro filhos, ela fica viúva. Complicado né? Eu estou falando de Elza da Conceição Soares.
Mas como dizem por aí que quem canta os males espanta, Elza Soares decide participar de um concurso musical na TV. Como ela não tinha dinheiro pra comprar uma roupa adequada para a ocasião, pegou uma de sua mão, que era bem maior do que ela, e para ajustar as medidas, saiu pincelando a roupa inteira. Na hora de sua apresentação, o apresentador, Ary Barroso, achou aquela figura tão estranha que a fez a seguinte pergunta: de que planeta você veio, minha filha? E toda a plateia caiu na gargalhada. Mas Elza não titubeou: do mesmo planeta que o senhor veio, do planeta fome. Enfim, Elza cantou, encantou e venceu o concurso.
Depois desse sucesso no programa do Ary Barroso, ela conseguiu um emprego numa orquestra. Mas, lembremo-nos, Elza Soares era negra e nem todas as casas de shows aceitavam cantoras negras. Nada feito. Então Elza Soares parte para a Argentina. Lá ela levou um calote tão grande do empresário que não conseguiu nem o dinheiro para voltar pra casa. Depois de um ano cantando por lá, de qualquer jeito, foi que ela conseguiu juntar dinheiro para voltar ao Brasil.
Aqui chegando, ela recebeu um convite de uma gravadora para gravar um disco. No entanto, quando descobriram a cor de Elza Soares, desistiram. Então ela decide gravar um disco por conta própria e consegue. Desse disco a sua carreira começou a deslanchar. Aí você pode pensar: agora vai! Vai não! Ela conhece o jogador de futebol Garrincha, que por ela se apaixona. Garrincha era casado e pai de sete filhos. Coisas da paixão: ele larga tudo e se casa com Elza. Mas, lembremo-nos novamente, Elza era negra, viúva e mãe de 4 filhos. A imprensa fez um escarcéu e culpou Elza Soares pela derrocada de Garrincha, que já vinha mal das pernas e se afundara no alcoolismo. Pra completar, eram tempos de ditadura e a casa na qual eles moravam foi metralhada. E como quem espera por tempo ruim é vazante, os dois foram embora do país. Quando ela voltou para Brasil, descobriu que todo o seu repertório tinha sido cedido para a cantora Clara Nunes.
Agora me diz uma coisa: você acha que a Elza Soares se abateu com tudo isso? Claro que não. Nada parava essa mulher. Ela continuou cantando e aos 70 anos de idade foi escolhida, pela BBC, como a melhor cantora do milênio. Com 85 anos ela ganhou um Grammy Latino; com 89 lançou o álbum Planeta Fome (lembra da resposta ao Ary Barroso?) e foi indicada, novamente, ao Grammy Latino; com 91 anos ela morreu. Aí você vai dizer com toda certeza: agora, sim, ela parou. Vai pensando! Um ano e meio depois de sua morte, alguém encontrou um caderninho de memórias da Elza e, então, foi lançado o Álbum “Tempo de Intolerância”. Já pensou um negócio desse? E se eu te disser que, com esse álbum, ela, depois de morta, foi novamente indicada ao Grammy Latino? Pois foi!
Elza Soares é o tipo da mulher imparável!
Elza nos ensinou e ainda nos ensina que ninguém fracassa quando se sabe exatamente quem é e aonde se quer chegar.
Foi fácil? Foi não! Foi difícil? Foi! Mas Elza Soares venceu! Elza Soares mostrou que a vida é dura, mas que podemos ser mais duros do que a vida.
E você aí desistindo de tudo na primeira topada do mindinho do pé na pontinha do sofá. Eu hein!
Elza Soares nasceu em 23 de junho de 1930, no Rio de Janeiro, e morreu em 20 de janeiro de 2022, na mesma cidade onde nasceu.
Por hoje ficamos por aqui!
Bom fim de semana e até a próxima!
0 comentários