Durante happy hour, conversamos em grande roda sobre infidelidade. Embora delicado, é tema de pauta, num tempo em que “ficar” é a palavra que define uma relação sem compromisso. De ambas as partes, por óbvio.
Penso que a infidelidade acontece quando um relacionamento, por sólido que pareça, vai se tornando frio, e o outro não desperta mais que amizade, companheirismo, esses pequenos-grandes valores que, sendo a essência do que deveria ser chamado amor, não são bastantes para preencher o tesão pela vida.
Quando isso ocorre, e tantas vezes ocorre, a porta está aberta para a aventura. É isso infidelidade? Não sei se a palavra se aplica adequadamente, hoje em dia, para definir essa difícil experiência de abrir-se ao desconhecido, o que, cedo ou tarde, se morreu o desejo, pode fatalmente acontecer. Não se trata (por Deus!), de fazer aqui a apologia de um erro, nem o elogio da traição. Pelo contrário.
O ideal, pois que a paixão nasce do idealismo antes de ser amor, seria que o correr do tempo fizesse crescer a atração que se nutre por aquele ou aquela com quem se decidiu viver. Mas nem sempre é assim que as coisas acontecem. Chega um tempo em que desaparece o encanto, a química, a mágica que um dia “nos fez desmoronar em presença do outro”. E a vida vai se tornando uma rotina pesada ao lado de alguém a quem se escolheu para dividir a mesma casa, a mesma mesa, a mesma cama. Haverá um tempo em que a pessoa que foi objeto de nossa admiração, dos mais impossíveis sonhos, é apenas a pessoa de quem se passou a conhecer os defeitos, as imperfeições, os vazios interiores, as manias ditas insuportáveis…
Lya Luft, a bela cronista do amor, diz em um de seus textos memoráveis:
“Se um dia, depois de muitos anos de casamento, há tempos transformado em amizade, o outro nos pedir a liberdade, numa prova de lealdade que sempre exaltamos, qual vai ser a nossa reação?”. Se nos propuser: “Somos amigos, bem amigos, mas é hora de vivermos separados!”, como vamos entender isso?
Estou convencido de que ninguém aceitará sem sofrimento tal realidade, quando o desejo, no outro, acaba. Na hora em que se sente preterido, o mundo parece desabar sobre a cabeça, e se sente vontade de morrer. E, no entanto, quantas outras dores seriam evitadas se se soubesse lidar com a desilusão!
Infidelidade, nessas circunstâncias, é palavra que não se aplica. Está no dicionário: “Qualidade de infiel”, que, por sua vez, é como se define “quem não cumpriu aquilo que se obrigou ou se obriga”.
O amor não é obrigação. O amor é dádiva. O amor é a união da amizade com o desejo. Se se desgastou, como nos lembra a cronista, “por que não nos permitirmos a quebra do contrato” e partimos para a condição de amigos? Mas quase nunca isso é possível para quem perdeu o posto de objeto adorado. Haverá sempre a resistência, a tentativa em vão de sustentar o que está no chão, em pequenos pedaços.
Por isso a aventura pode vir, devagar ou às pressas, sorrateira ou desavergonhada – e, do inesperado, a nova paixão. Se o desejo acaba.
Durante a conversa a que me referi no alto, ocorreu-me citar Jabor: “O amor depende do nosso desejo, é uma construção que criamos. Sexo não depende do nosso desejo: nosso desejo é que é tomado por ele”.
Entre um chope e outro, já caía a tarde, as convicções aflorando, levemente tocadas pelo efeito do álcool, mudamos de assunto.
E nossos olhares se voltam, como que por milagre, para um jovem casal que se beija calorosamente na mesa ao lado.
Álder Teixeira é Mestre em literatura Brasileira e Doutor em Artes pela Universidade Federal de Minas Gerais
0 comentários