Devaneios medievais III Apontamentos sobre Tristão e Isolda

28/09/2019

“As razões da Noite não são as mesmas do Dia; não são comunicáveis ao Dia”. Escreveu, visionariamente, Denis de Rougemont em sua História do Amor no Ocidente. As cinco versões e numerosas variantes desta principal novela de cavalaria da Alta Idade Média asseveram tal proposição do eminente crítico. Referimo-nos, por certo, aos muitos percalços e incidentes que o casal de amantes vivencia ao longo de sua trágica e bela jornada.

O cavaleiro Tristão, pelo nome e pelo nascimento triste, e a bela Isolda, a um só tempo Dama Branca e Fatalis Femina, encontram-se e separam-se diversas vezes. Meandros da Passio. Após tomarem acidentalmente o filtro que “de amor os enlouquece”, experimentam intensas dores e alegrias. Vivem na floresta em estado natural de pobreza, são surpreendidos em pecado pelo Rei Marcos, redimem-se pela confissão e voltam a pecar, ficam doentes física e animicamente, chegam inclusive a casar com outros parceiros até chegarem ao cummulus amoris: Mors.

O que, precipuamente, esta icônica novela nos ensina? Que o Amor não pode pertencer ao Rio. Que a Passio é Desordem e Doença; que tem sede tantálica e eterno desconcerto. Jamais nos sentiremos tranquilos e felizes in statu passionis, em estado de paixão. O refinado código do Amor Cortês instaurou tal morbus no Ocidente. The good crazy, na feliz expressão inglesa.

Com sábia percepção a Novela de Cavalaria, bem como a poesia lírica medieval nos ensinam que não é a consecução material no amor o elemento redentor. O sexo nos animaliza. Suspirar sempre pela Plenitude. Em certo passo da obra Tristão confessa: “Para desejar e para morrer; para morrer de desejar”. O essencial, deveras, é o amare amorem: amar o amor. A eterna incompletude e a completude do anseio eterno.

Casemo-nos e seremos felizes. Apaixonemo-nos e arderemos no inferno de intranquilidades e delírios. A palavra de Minerva, a benfazeja Ratio nos adverte: fiquemos em paz; com os livros, com a casta esposa, com os honestos lucros, com o moderado vinho, com a espera cristã da velhice e da morte.

Todavia, o coração é um órgão de fogo. Está em nós, em nosso âmago, perder-nos. Sabemos que a paixão nos tira a paz da alma. Mas como faz-nos falta esta falta de paz!!!!!

Professor Doutor Everton Alencar
Professor de Latim da Universidade Estadual do Ceará (UECE-FECLI)

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