Nas últimas horas, algo em torno de 800 mil pessoas foram às ruas na França contra o projeto de reforma da Previdência. Praças e logradouros ficaram repletos de manifestantes. Intelectuais, artistas, escritores, ocuparam horários nobres de programas de rádio, jornais e tevês, no que se configura como a mais importante manifestação política em muitos anos na capital do país.
Monumentos, árvores, postes, semáforos, em pouco tempo se transformaram em espaços de protesto, estampando faixas, cartazes etc.
“La retraite avant la mort“, aposentadoria antes da morte, vocifera a multidão.
Estudantes, filhos de operários, donas de casa enfrentam a repressão policial a custo de colocar em risco a própria vida.
A democracia expressa a mais convincente defesa do estado de Direito e das conquistas dos servidores públicos.
Mais admirada atração turística de Paris, a Torre Eiffel fechou.
Enquanto acompanho isso, através dos jornais franceses, é-me inevitável relembrar a covardia dos brasileiros em face da criminosa reforma levada a efeito há poucos dias no Brasil. Matadora de si mesma, a classe média brasileira quedou em silêncio contra as investidas monstruosas da equipe econômica do governo Bolsonaro. Equivocadamente identificada com a elite que a trucida, não teve olhos para ver o que faziam contra os seus interesses mais legítimos. Movida a ódio, lambeu as botas do patrão, afiou com o suor do rosto a lâmina perversa de sua própria degola, aplaudiu nas praças os seus algozes. Uma vergonha.
Números dos Indicadores Sociais do IBGE, divulgados há pouco, apontam para uma verdadeira tragédia: mais de 13 milhões de brasileiros sobrevivem com menos de R$ 145 por mês.
A dar fisionomia ainda mais revoltante, a Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua), em números referentes a outubro, destaca que 1% mais aquinhoado dos brasileiros cresceu 8,4% no ano passado, enquanto os 5% mais pobres veem despencar 3,2% de sua capacidade de compra.
É inequívoca a transferência de renda de pobres para ricos, no perfil mais perverso do capitalismo selvagem que toma conta do país desde janeiro de 2019.
O desmonte dos direitos e das conquistas dos trabalhadores se dá a olhos vistos, numa velocidade sem precedentes em toda a História do Brasil.
Alastra-se a informalidade no mercado de trabalho, achata-se a pirâmide social – remediados empobrecem, despossuídos caem abaixo da linha de pobreza, miseráveis veem-se condenados a uma realidade insuportável.
O que é pior e mais indigna: com a conivência de pelo menos 30% dos eleitores do país, e o silêncio obsequioso de segmentos que se dizem esclarecidos, que leem e escrevem, que não se acanham de aplaudir o fascismo que ressurge, indiferentes à desigualdade e à pobreza que põem por terra a dignidade de um país.
Álder Teixeira é Mestre em literatura Brasileira e Doutor em Artes pela Universidade Federal de Minas Gerais
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