Cauby Fernandes*
Não creio que minha dor vá passar essa manhã. Tenho tido dias terríveis e ninguém jamais notou… nem nunca irão perceber. Talvez seja apenas mais uma sazonal crise existencial. Talvez, com o tempo, tudo volte a ser como fora um dia, como quando subia nas árvores ou sentia a grama molhada do vizinho ao deitar, às escondidas, no seu jardim.
Se eu soubesse escrever como Assis, trataria de pôr-me à pena todo santo dia, pelo resto dos meus dias. Ou, se talvez soubesse moldar a argila a meu bel-prazer, modelariaas princesas, em suas belas silhuetas, e bruxas da minha vida, dando a esta última, às bruxas, o prazer de amassá-las ao fim de cada obra concluída.
Todavia, não estimulei qualquer aptidão artística. Não nutri empenho nem mesmo em se tratando da simples tarefa de viver. Até osimples ato de respirar – automático como só ele -, agora me é negado. Um tubo verde enferrujado me faz companhia, e seu barulho é infernal.
A minha família pensa que morro de medo de não recuperar a minha saúde de outrora. Na verdade, pensam muito e nada acertam sobre mim. O meu gato compreende as nuances mais atávicas e recônditas do meu ser, e minha família, nada. Gostaria em comprar um peixe, mas, por bom senso, não convêm deixar mais um órfão no meu lar.
Minha mulher, coitada, me observa com olhos miúdos e marejados. Finjo não perceber, mas a minha visão periférica sempre denuncia a sua chegada escusa por traz da cortina ou porta. Ela me observa por bons minutos, e eu permaneço interpretando um alguém solitário neste quadrado tão percorrido pela minha vista cansada.
O doutor me proibiu de beber… mas eu bebo escondido dele e da minha senhora. Felizmente, meu gato não pode falar; é com ele que tomo os meus melhores porres. Depois, deito novamente e espero horas até o cheiro se exaurir de um todo. Já não consigo mais fumar – mas gostaria muito, se os alvéolos dos meus pulmões me consentissem. Mas o tubo a qual já faz parte de mim, não me permite extravagâncias como antigamente.
Estranhamente, não consigo me ver com um alguém que desperdiçou a vida. Não guardo qualquer expectativa, é verdade, mas o tempo por mim vivido me fora formidável! Gastei minha saúde e, por conseguinte, doravante, o meu definhado existir, mas não há uma só noite em claro –tenho tido insônias terríveis, também – que assombre sugestão qualquer de vida mal vivida. Negativo! Faria tudo outra vez, como Gonzaguinha começaria.
Hoje é sopa. Vou para o banheiro. Dizem que um banho é bom para tirar o cheiro de bebida do suor. Não sei até quando, mas vou existindo um dia de cada vez…
*Contista, cronista, desenhista e estudante universitário
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