Começo esta crônica fazendo a seguinte confissão ao leitor: sou um pessimista otimista.
E em geral, nós, brasileiros, somos assim. Não importa se o país vai mal: saímos e bebemos em celebração a sabe-se lá o quê. Alta do dólar? Queda da bolsa? Greve da PM? Nada interrompe nosso ritual. E todos os finais de semana é a mesma coisa: saímos com os amigos, passamos no cartão de crédito ou penduramos a conta no famoso bar que é mais chegado que um irmão. Nada muda.
Tudo isso não impede que cada brasileiro seja um apocalipse ambulante ou, melhor, ululante. O fim do mundo é nossa praia. Nosso assunto é a catástrofe. O espirro do primeiro mundo é a nossa tuberculose, tifo e malária. Há sempre um alarde velado. A neurose é nossa irmã gentil.
O mais curioso nisso tudo é a nossa capacidade de fazer piada. Ninguém supera o brasileiro na piada pronta, no “meme”, no jocundo, no balofo. Há uma piada recorrente aqui na cidade, por exemplo. É a seguinte: se o fim do mundo estivesse em curso, e tudo que construímos fosse destruído ao som de gritos e ranger de dentes, o iguatuense poderia ficar certo de que o Mercantil Alexandre estaria aberto para a última feirinha.
Voltaire, o filósofo, só escreveu o seu “Cândido ou o Otimismo” porque era francês, e não brasileiro. Não seria um terremotozinho em nossa irmã Lisboa que faria de nós um povo amargo e pessimista. Ao contrário: o terremoto seria material para nossos humoristas. Mas isso foi o bastante para que o filósofo francês, e os outros iluministas, não só perdessem a fé mas também a satirizassem.
O pessimismo, que era um neologismo à época, só se difundiu na Europa graças ao otimismo. O livro Cândido era uma sátira à famosa máxima de Leibniz de que vivemos no melhor dos mundos possíveis. Após a catástrofe em Lisboa, Voltaire decidiu jogar por terra a teoria do filósofo alemão. Não logrou êxito. Seu livro não passa de uma caricatura. E ainda assim o soneto saiu pior que a emenda: Pangloss, personagem que representava a caricatura de Leibniz, é muito mais coeso do que Cândido, seu discípulo que passa a questionar seus ensinos.
Isso se dá porque, e ninguém pode negar os fatos, a maldade humana e a catástrofe natural são autoevidentes, a bondade e a misericórdia também são realidades inegáveis. Qualquer um que saia da bolha pode enxergar que há pessoas dignas, honestas, que fazem o bem.
Eu mesmo, que não sou otimista, já presenciei estranhos saindo ao meu socorro sem esperar nada em troca. Semana passada uma ex-vizinha, de quem mal lembrava, saiu em minha defesa e resolveu um perrengue que eu levaria horas e horas para resolver. E é justamente por esse e tantos outros exemplos que, a despeito de toda a sordidez humana, consigo acordar todos os dias e tentar “regar o meu jardim”, como diz a última e talvez a única frase do livro de Voltaire que seja verdadeira. Que cada um cuide do seu jardim.
Marcos Alexandre: Pai de Edgar, leitor, Professor de literatura e redação, cinéfilo e aspirante a escritor.
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