Em tempos de pandemia do coronavírus, o jornal A Praça traz nesta edição entrevista exclusiva com a nutricionista Gerlânia Bezerra. Especialista em Vigilância em Saúde pelo Instituto Sírio Libanês, Gerlânia alerta sobre a importância de uma boa alimentação, objetivando fortalecer o sistema imunológico, fator preventivo tão importante quanto o uso dos medicamentos para tratar as infecções
A Praça – Por que se assegura que em tempos de epidemias e das infecções virais é importante também cuidar da alimentação?
Gerlânia – Durante uma situação de pandemia mundial como a que está ocorrendo devido ao COVID-19, a humanidade tem passado por elevado índice de estresse, com modificações drásticas de suas rotinas de vida diária, muitas vezes prejudicando a qualidade do sono, diminuindo a realização de atividade física e até com dificuldades de acesso à alimentação. Tudo isso acaba aumentando a predisposição para que as pessoas possam contrair o vírus. Neste contexto, o sistema imunológico pode ser intensamente prejudicado. A alimentação possui papel fundamental na imunidade através do fornecimento de energia, vitaminas, minerais, fibras e compostos bioativos para favorecer a capacidade de defesa do organismo.
A Praça – O que pode acontecer com o corpo se o indivíduo estiver fraco e contrair uma doença infecciosa, tipo coronavírus?
Gerlânia – Quando ocorre algum tipo de deficiência nutricional, as reações químicas que necessitariam daquele nutriente especificamente ficam prejudicadas; os mecanismos de defesa se apresentam fragilizados e a replicação do vírus é facilitada. Chamo atenção para os idosos, os quais vêm apresentando maiores complicações de evolução da doença. Geralmente há perda significativa de massa muscular na velhice, sendo frequentes quadros de desnutrição o que agrava substancialmente a recuperação em caso de contaminação pelo vírus.
A Praça – Qual o equilíbrio deve ser dado à alimentação para que o corpo tenha imunidade e não sofra tanto quando atacado pelas doenças, bacterianas ou virais? Qual o equilíbrio entre os minerais, as vitaminas, proteínas, açúcares, gorduras, carboidratos e outros nutrientes?
Gerlânia – A melhor estratégia para favorecer o sistema imunológico é o contexto geral da alimentação equilibrada, com comida de verdade, o mais natural possível; utilizando verduras, frutas, legumes; com poucos alimentos processados e industrializados (os quais são ricos em aditivos e conservantes químicos que sua grande maioria não possuem o objetivo de nutrir, e são adicionados pelos fabricantes, principalmente, para melhorar apresentação e aumentar o tempo de conservação dos produtos; podendo inclusive causar dano celular); pequena quantidade de açúcar; sem produtos de glicação avançada e com mais comida vinda da feira, sem ter passado pela indústria. Cada faixa etária possui necessidades específicas para os diversos nutrientes sendo importante avaliação nutricional de acordo com a necessidade de cada um.
A Praça – Em relação à alimentação, no caso de o paciente estar infectado com o coronavírus, ele estando sob medicação, existe receita adequada de alimentação?
Gerlânia – Faz-se extremamente importante respeitar os cuidados descritos acima; receber hidratação adequada e, quanto a este ponto ressalto que apesar de vivermos em uma região que é muito quente, tenho escutado relatos no consultório de baixíssimo consumo de água pela maioria das pessoas. Manter-se hidratado é essencial para o bom funcionamento do organismo. Em casos de complicações da doença, a conduta dietoterápica deverá ser adotada de acordo com a necessidade de cada paciente após avaliação médica e nutricional.
A Praça – É verdade que em algumas ocasiões as pessoas só se preocupam com a alimentação quando estão doentes? Esta preocupação não deveria ser constante?
Gerlânia – Infelizmente é verdade. Muitas vezes ocorre a tentativa de oferecer a alimentação ideal somente após a manifestação de algum problema de saúde. Ressalto a importância em olhar para o momento atual e não ficar lamentando pelos cuidados que não foram tomados anteriormente. Quando fixamos nossas emoções no medo e todo o estrese por ele gerado acabamos por gerar alterações importantes no sistema imunológico.
A Praça – Em se falando do coronavírus, no caso de o paciente estar infectado, existe alguma restrição alimentar?
Gerlânia – As restrições alimentares podem ocorrer caso o paciente apresente complicações sendo que cada caso deve ser avaliado individualmente. O que deverá ser feito depende do estado nutricional, doenças preexistentes ou ainda complicações da doença.
A Praça – A senhora atende num consultório da Rua Deocleciano Bezerra, no centro de Iguatu. Houve alguma alteração no quadro dos pacientes que a atende corriqueiramente? O que se verificou?
Gerlânia – Grande parte dos pacientes que acompanho chegam ao consultório com o desejo de melhorar a composição corporal, principalmente quanto à quantidade de gordura, buscando emagrecimento; ou ainda tratar algum tipo de doença específica ou reeducar os hábitos alimentares. Nos últimos quinze dias a preocupação básica tem sido a qualidade de saúde com intuito de obter fortalecimento no sistema imunológico.
A Praça – Além de ter os cuidados descritos acima, quais outros destaques a senhora poderia dar com relação à alimentação?
Gerlânia – É importante ter cuidado com notícias imediatistas como por exemplo: o SHOT ”X” ou “Y” para blindar a sua imunidade. Nestes tempos de crise aparecem muitas notícias oportunistas, sem evidências científicas, fazendo falsas promessas prometendo melhora da imunidade. Quando estas estratégias pontuais são utilizadas sem cuidar do contexto da alimentação como um todo, do sono, da hidratação, do gerenciamento do estresse podem mais prejudicar que ajudar. Ressalto a importância de aumentar o aporte de nutrientes antioxidantes através da inclusão de especiarias na comida como: cravo, hortelã, gengibre, cúrcuma, extrato de própolis. Esses alimentos podem funcionar como uma “cereja no bolo” otimizando os efeitos da alimentação natural no nosso corpo. É importante a prática de exercício físico regular não extenuante (mesmo não tendo acesso a academias e necessitando ficar em isolamento social, podemos e precisamos nos exercitar em casa); ter exposição diária ao sol para favorecer a ativação de vitamina D sob a pele. Durante este período grande parte das pessoas não terão exposição da pele ao sol podem ocorrer perdas importantes da ativação de vitamina D. A vitamina D é essencial para a aumentar a capacidade de fagocitose das células do sistema imune, ou seja, o poder de comer e destruir uma bactéria ou um vírus. Caso ocorra uma diminuição significativa desta vitamina, pode haver uma deficiência no sistema imunológico neste aspecto especificamente. Dependendo do tempo de quarentena e havendo a impossibilidade de exposição da superfície corporal ao sol, pode ser necessário suplementar este nutriente de acordo com a necessidade individual de cada pessoa, o que deve ser orientado por nutricionista ou médico após avaliação individual.
A Praça – A senhora já declarou em outra ocasião que “comer é um dos momentos mais prazerosos da vida”. O que fazer para que isso não se transforme num transtorno ou num sofrimento?
Gerlânia – Realmente eu acredito nisto. A alimentação deve ser nutritiva, prazerosa e divertida. Sei que estamos passando por dias difíceis e precisamos ressignificar este momento. Devemos ficar em casa; aceitar a situação, pois quando resistimos, sentimos muito mais dor. Vamos curtir mais a nossa casa, de repente arrumar aquela gaveta bagunçada que há tempos está nos incomodando; interagir de verdade com as pessoas que amamos, ou até aproveitar para ler, estudar, pintar. Agindo assim estaremos cuidando do nosso interior, da nossa alimentação, dos nossos entes queridos. Dificilmente nos programaríamos para ter esse tempo. Quando tudo isso passar, seremos muito mais fortes. Coloco-me à disposição e peço que acompanhem as publicações que estarei fazendo nos próximos dias no meu Instagram @gerlaniabezerranutri, com intuito de levar mais informações para a população.
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