Cauby Fernandes
Contista, cronista, desenhista e estudante universitário
Aquela sexta-feira era uma daquelas de cão. Cheguei atrasado para o encontro. O que resta agora é beber para afogar as mágoas pela perda precoce da minha futura ex-companheira. No bar, poucas pessoas – pra não dizer nenhuma, exceto eu – estavam desacompanhadas. Sofregamente, depois de andar a pé por seis quarteirões, correr de dois cachorros, pular um muro de porte mediano, ser xingado por uma velha por tê-la assustado, finalmente sorvia, ali, do líquido precioso da vida – não a água, mas a cerveja noivada pelo gélido fundo do refrigerador velho e corroído do bar do senhor Antenor.
No altivo recinto, como de costume, as amenidades de sempre: política, futebol – pausa para uma mulher que passa -, confidências e conselhos sobre a vida – pausa para uma segunda e mais bela mulher que passa -, piadas, tiradas de sarro e, sim, pausa para mais mulheres a passar, no decorrer de toda a noite… Entre um cigarro e outro, entre idas e vindas ao banheiro, depois de “enxugar” algumas garrafas de cerveja, percebi que meu celular havia descarregado. O caso é que não sei bem ao certo quando isso ocorreu. Talvez ela tivesse enviado alguma mensagem e eu, por estar incomunicável, não a recebi. Bem. Dane-se. Não adianta lamentar pelo leite derramado. Melhor derramar mais cerveja goela abaixo.
Se ao menos eu tivesse algum número decorado de cabeça, poderia ligar de algum celular emprestado, para algum amigo ou esquema. Era, como disse, um dia de cão. Um amigo ou um antigo esquema, que fosse, serviria para fazer-me companhia. Nesse momento percebi que consegui tornar-me ainda mais antissociável. Enquanto gargalhadas entoavam de mesas repletas de gente, na minha, só o que se podia ouvir era o barulho do meu isqueiro a acender mais um cigarro. Resolvi partir; mas não sem antes levar algumas cervejas comigo; precisaria delas para entorna-las até a hora em que o sono chegasse.
Depois de muito caminhar, cheguei em casa. Reparei que havia alguém me esperando no portão de entrada. E não! Infelizmente não era ela! Era a Cássia. A mesma Cassia de sempre. Brigou com a mãe (pela milésima vez) e perguntou se poderia dormir comigo àquela noite. A pobre também não estava nos seus melhores dias. Lamentei internamente por ter que dividir a cerveja com ela, que só enrola nos tragos parcos e intervalos morosos; mas ao menos eu teria uma companhia e um algo mais – típico de certas amizades, se é que me entende.
Subimos. Música rolando. Depois de um demorado banho [dela], conversamos sobre a sua vida. Procurei evitar falar sobre a minha desventura daquele dia. Em dias de cão, amigo, ao que pude perceber, há sempre alguém pior do que a gente! Alguns goles depois ela começou, já bêbada, a me culpar por não estar com ela. Além de não saber beber, a jovem também não sabia ser grata a quem lhe ofereceu guarida. Diante disso, apenas sorri e continuei a beber.
É… Ao contrário do que presumi errônea e antecipadamente, meu dia de cão ainda não tinha acabado ao chegar em casa naquela noite…
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