Crônica enviada a ex-professor, agora colega de profissão

18/07/2020

Américo Neto (Professor)

Vai devagar e capenga nossa vontade de continuar sendo… O pragmatismo impera; o legalismo é regra e o fingir hipócrita farisaico dá o tom… O tom de um mundo torto… que ama fingir, mentir e representar… Ausentes de aceitação são os tais “do contra”. Indesejáveis, repugnantes, chatos e ganham narizes tornos de seus pares… Às vezes penso em algo que nem aconteceu, mas vejo a sombra desse drama a se desenhar… a raiva me invade antes mesmo da materialização do pensado… e nem sei se vai acontecer…

O mundo jaz na ambição, ignorância e no natural após alguns anos de codinome morte, mas alguns em vida já morreram, apenas não sabem… A ambição dos homens é da essência, nos acompanha e muitos não lembram do inevitável fim… vivem para o ter, sendo que perdem aquilo que poderiam aproveitar: o tempo que resta de vida…

A ignorância cega… desejos, egoísmo e comodismo nos seduzem… uma eterna vontade de ser eterno, um desejo louco por certezas… e pior, temos certezas mancas e dúvidas precisas…. Epicuristicamente se a morte for não seremos, se ela não for, somos…

Basta a cada dia o seu cuidado… disse Aquele – Jesus Cristo – que nunca escreveu nada e mudou o mundo em uma época de tecnologia capenga, e nós em meio à uma tecnologia avançada escrevemos, falamos e quase sempre não somos ouvidos e nem lidos….

Queria uma taça de vinho, meditar sobre o mundo, a vida e acordar amanhã com uma notícia boa…, mas não… não é assim, Bertoldo…

A vida nos exige muito mais do que aquilo que temos a dar… somos cercados de abutres, serpentes e lobos… Os impostos nos devoram, ficamos com quase nada do nosso suado salário; no meio profissional quem poderia auxiliar atrapalha,  prejudica e se ressente frente a uma vontade de ser contrastada com o não ser perante os que são,  pois alguns possuem só a coroa,  mas não mandam em nada… a vida é assim… E como ovelhas desgarradas estamos em meio a um mundo politicamente, socialmente, educacionalmente e religiosamente cheios de lobos, à espreita, querendo nossa lã, vida e carne…

Caro Bertoldo… é difícil agir como se quer: não deixam! É difícil falar o que se quer: não pode! É difícil ficar calado: se sentem! O que fazer?  Não sei…. Mas tem uma coisa que me veio à tona… esse vírus,  é… essa pandemia… ela veio apenas evidenciar uma coisa já existente entre nós humanos, cidadãos de bem,  cristãos e  patriotas… este vírus já existia… ele apenas evoluiu… apenas deixou claro como a fala ” o rei tá nu” de nossa tragédia humana de ser… Antes desse vírus já existia o vírus do racismo, do preconceito, do feminicídio, do analfabetismo funcional, da desigualdade social, da corrupção, do jeitinho brasileiro… e o corona sintetizou tudo em uma gripe que mata em torno de mil todos os dias há quase um mês!  Detalhe, estes dados podem estar viciados, pois pesquisas recentes dizem que o número real de mortes hoje, começo de junho, pode ser 140 por cento a mais…

Enquanto isso reservas indígenas estão sendo invadidas, índios mortos por empresários interessados em suas terras ou pelo corona; uma criança negra foi achada por uma bala perdida e algumas igrejas querem abrir os templos, pois na mesma toada do governante mor entendem que a economia não pode parar…

Caro Bertoldo, se pensarmos um pouco criaremos em nós outro vírus, o da depressão, oxalá se não já o temos…

Vivi para ver cristão, funcionários públicos e negros elegendo quem quer matar, acabar com direitos trabalhistas e odeia minorias; vejo professor gostando do EAD, um belo sinônimo para tiro no pé! Meu Deus… que lastimável, que triste, a banalidade do mal à for da pele e ninguém liga! Caro Bertoldo… finalizarei… contaminado por tudo isso, com um verso do vate de Sobral…

“Eu quero é que esse canto torto… feito faca corte a carne de vocês…”

P.S.: O texto foi escrito na atmosfera espiritual do mês passado…

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