Murilo Barroso (Escritor aprendiz em prosa e verso)
Apesar da injustiça, da iniquidade, das falhas que permeiam o reino humano, ainda nos resta esperança de uma vida menos animalesca.
Nem tudo está perdido.
Eis um testemunho.
Dezenas de desabrigados, sobreviventes do descaso, algo em torno de vinte e cinco felinos, instintivamente disciplinados, se enfileiram diariamente, a caminho do banquete da salvação.
Centro de Iguatu. Praça José Airton Jucá.
Gatos de todas as idades, raças, cores e sexos, são alimentados democraticamente, ou melhor, humanitariamente. Um delivery alimentício feito por pessoas idosas e caridosas. Dessas raríssimas almas que fazem a diferença. Seres que não buscam os holofotes por suas ações dignas de grande notoriedade, pois, têm brilho próprio.
Vou nominá-las por conta e risco, entendendo que essa nobre proeza não deve ficar incólume. É necessário que se exporte deste tempero de amor, um grão que seja, para fomentar a iniciativa de novos operários.
Tereza Cristina e Valdir Sobreira são os abençoados cuidadores da gataria. Merecem honrarias e prêmios, mas só recebem de Deus. Coletam remanescentes de restaurantes, cantinas, residências, fazem de tudo para atender a necessidade de seus clientes famintos. Quando a arrecadação não satisfaz a mesa, complementam com ração balanceada, custeada por seus parcos rendimentos de aposentadoria. É imprescindível que não haja redução nutricional. Essa questão é de honra. É prego batido, com o apetite insaciável de atender a demanda.
Há anos, todos os dias, duas vezes, às sete e às dezessete, pontualmente, os entregadores e os destinatários se encontram.
Uns alimentando seus corações, e outros, aplacando sua fome. Exceto, algum imprevisto gerado por doença, temporal… Quando algo exótico acontece, a sirene dos bichanos dispara causando comoção. Pode-se ouvir à distância a miadeira estridente e suplicante.
Graças a Deus, está tudo bem. O serviço de entrega entra em ação direta, dobra a esquina e pega a reta de chegada que fica a mais ou menos cinquenta metros.
Este momento é catártico. Surgem felídeos de todos os lugares (ruas, praças, becos, jardins) etc. Sabem que aqueles passos lentos e mãos ocupadas com várias sacolas plásticas e outros vasilhames, trazem o manjar que lhes sacia.
É uma correria, cuja alegria é verossímil a dos meninos e meninas ao se aproximarem do pipoqueiro, dos brinquedos remotos e atraentes que existem na histórica e encantadora Praça da Criança. Entrelaçam-se às pernas vividas dos protetores, de tal modo carinhoso, que encanta, contudo inspira cuidados de um atropelamento. Miam como se agradecessem, ou simplesmente, expressando a vontade de comer.
Finalmente, a comida é distribuída em vários pratos, para não haver discussões, desentendimentos políticos, de tal modo, que não imitem os humanos. Enquanto comem são observados cuidadosamente, numa diagnose visual para identificar qualquer problema que requeira cuidados veterinários. Havendo alguma anomalia são tomadas as providências.
Ainda existe salvação. Só depende da equidade.
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