A doença do Papa

10/07/2021

Desde o último final de semana, temos visto muitas notícias sobre a doença que acometeu o Papa Francisco e o levou a realizar uma cirurgia de alta complexidade no intestino aos 84 anos. E o que realmente houve com o Papa?

Trata-se de um quadro de estenose de cólon causado por episódios recorrentes de diverticulite aguda, por isso hoje vamos falar um pouco sobre doença diverticular do cólon, explicando suas causas, consequências e complicações mais importantes.

Inicialmente, é importante salientar que a doença diverticular do cólon (intestino grosso) é , em sua grande maioria , um achado dos exames complementares e uma pequena parcela dos pacientes se tornam sintomática. Esta é determinada pela presença de divertículos, que são uma espécie de saculações ou pequenas bolsas que extravasam pela parede do intestino, geralmente estando associados ao envelhecimento, constipação, história familiar e podendo atingir qualquer área do cólon , causando sintomas relacionados a suas complicações e normalmente de acordo com o local e o tipo.

As duas principais complicações são o sangramento e inflamação.

Doença diverticular é uma das principais causas de sangramento intestinal, especialmente em idosos e geralmente ocorrem mais à direita do cólon e em diverticulos hipotônicos que são aqueles mais largos.

Já em relação à inflamação, que foi a causa da doença do Papa, o paciente evolui com diverticulite aguda, que é caracterizada por um processo inflamatório normalmente do lado esquerdo do intestino, normalmente causada pela obstrução do orifício do divertículo mais comumente por fezes ressecadas, causando uma dor abdominal intensa e continua no
quadrante inferior esquerdo do abdome, diferenciando-se de outras patologias pela persistência mesmo com analgésicos e anti espasmódicos comuns muitas vezes levando o paciente de imediato para emergência.

Este quadro de inflamação pode ser simples, evoluindo com melhora rápida da dor após repouso alimentar e antibioticoterapia, sendo casos mais leves tratados ambulatorialmente (pessoa em casa), porém, em uma pequena parcela dos casos, os pacientes evoluem com quadros complicados especialmente através de perfurações que podem necessitar de internamento, uso de antibióticos venosos, drenagem de abscesso abdominal e até mesmo, em casos mais graves, de cirurgia de urgência para retirada do intestino inflamado e perfurado.

Existem ainda as complicações crônicas de episódios repetitivos ou pós quadros graves de diverticulite, sendo as principais dor crônica na região inferior do abdome, fístulas e estenoses.

No caso do Papa Francisco, este evoluiu com estenose do cólon, que é um estreitamento do intestino, dificultando a passagem das fezes e dos gases, apresentando uma dor intensa e recorrente na região inferior e esquerda da barriga com característica em cólica e alteração do hábito intestinal (ora constipado ora com diarreia).

Normalmente, a indicação cirúrgica da diverticulite se dá por causa das complicações referidas acima, não havendo mais indicação por quantidade de episódios leves como antigamente.
A cirurgia da doença diverticular com característica inflamatória normalmente consiste na realização da retossigmoidectomia, que é a retirada de pequena parte do reto e do sigmoide, que normalmente é o local de maior acometimento de divertículos e onde estes inflamam mais.

Esta cirurgia pode ser feita aberta por laparotomia, mas atualmente a preferência é via videolaparoscopia que é feita através de pequenas incisões no abdome. É realizada a retirada do intestino seguida da anastomose (junção das duas bocas do intestino) no mesmo tempo, evitando a realização de colostomias, que estariam indicadas apenas em casos de complicação da cirurgia ou em determinadas cirurgias de urgência quando o grau de infecção abdominal ja é muito intenso.

A complicação mais temida desta cirurgia é a deiscência da anastomose, que ocorre quando abre a junção realizada entre os dois intestinos, podendo causar sepse grave e várias outras complicações abdominais e no organismo.

Atualmente, além da laparoscopia, em grandes centros médicos, existe ainda a possibilidade de realização através da cirurgia robótica, que é um tipo de laparoscopia utilizando um robô que é controlado pelo cirurgião.

No caso da cirurgia do Papa, esta foi programada inicialmente por robótica porém houve a necessidade de conversão para a cirurgia aberta, provavelmente por dificuldade causada pela gravidade da doença. Muitas vezes, quando a inflamação é muito intensa, formam-se grandes aderências entre os órgãos abdominais, ficando praticamente colados entre si o que dificulta a procedimento por laparoscopia ou robótica e acaba-se convertendo para o meio convencional que é a cirurgia aberta ou laparotomia.

Para finalizar, gostaria de dar algumas dicas e orientações:

O fato de estar com divertículos na colonoscopia não quer dizer que precise de tratamento, a maior parte dos pacientes não tem sintomas relacionados.

Os sintomas relatados acima também podem estar associados a outras doenças por isso é importante consultar especialista para realizar diagnóstico diferencial.

Colonoscopia é o exame mais adequado para o diagnóstico dos divertículos mas não deve ser realizado na fase de inflamação.

A melhor forma de evitar episódios de diverticulite e também a formação de divertículos é através de uma alimentação saudável, rica em fibras e líquidos. O objetivo é que os pacientes tenham um hábito intestinal regular sem fezes ressecadas.

Nossas queixas e hábitos intestinais são muito relacionadas ao que comemos. Aquelas pessoas que tem uma alimentação saudável como colocada acima tem menor possibilidade de apresentar doenças intestinais e anais.

A técnica utilizada para cirurgia depende da gravidade da doença, das condições clínicas do paciente e dos recursos técnicos disponíveis.
Em Iguatu, no Hospital São Camilo, nossa equipe de Coloproctologia tem a possibilidade de realizar tanto a técnica laparoscópica quanto a aberta, porém não dispomos da robótica. Esta só existe em 1 hospital em Fortaleza e o custo financeiro ainda é muito elevado especialmente por falta de concorrência.

A maioria dos planos de saúde não cobrem a robótica, sendo assim há um custo elevado mesmo para quem tem bons planos.

Do ponto de vista médico, a robótica ainda não se mostrou superior a laparoscopia em relação aos resultados cirúrgicos, mas acredito que seja questão de tempo, treinamento dos cirurgiões e de novos trabalhos com maior número de pacientes para que isto aconteça porque realmente o uso do robô facilita bastante os movimentos cirúrgicos.

Divertículos não são fatores associados ao câncer de intestino mas baixa ingestão de fibras e dieta rica em gordura e carne vermelha elevam o risco deste.
Curiosidade:

Por muito tempo, a causa de morte do presidente Tancredo Neves foi uma diverticulite complicada, mas apurações posteriores indentificaram que na verdade tratava-se de um leiomioma infectado.

Dr. Jáder Mendonça
Médico do Hospital São Camilo
Cirurgião, coloproctologista e mestre em cirurgia pela UFC.

MAIS Notícias
O Mestre Sala dos Mares
O Mestre Sala dos Mares

  Até 1910, mesmo depois da abolição da escravidão no Brasil, em 1888, a Marinha brasileira ainda castigava seus marinheiros negros fisicamente, com chibatadas. Em determinada ocasião, os marinheiros brasileiros foram à Inglaterra para aprender a tripular novos...

Mudanças no financiamento de imóveis dificultam aquisição
Mudanças no financiamento de imóveis dificultam aquisição

A partir de 1º de novembro, os mutuários que financiarem imóveis pela Caixa Econômica Federal terão de pagar entrada maior e financiar um percentual mais baixo do imóvel. O banco aumentou as restrições para a concessão de crédito para imóveis pelo Sistema Brasileiro...

0 comentários

Enviar um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *