Para espanto geral dos alunos, naquela manhã ele não deu sua aula. Entrou na sala, como de costume, dez minutos antes da sirene tocar; pôs os livros sobre a mesa; ajeitou o jaleco, que, por cima da camisa de gola sem estampa, disfarçava bem os pneus que se formavam nas adjacências do abdômen; e escreveu a enigmática frase: “Aula aberta”. Era mesmo ele. A letra de forma e metódica. A cara sem expressão. O rosto redondo que mais parecia uma caricatura.
Sobrancelhas arqueadas e cenhos cerrados. Entreolharam-se. Houve silêncio. Até que um engraçadinho, lá do fundão, disse:
– Quer dizer que podemos ir para casa, professor?
– Aí é com a direção. Quero dizer que podem fazer o que quiserem: mexer no celular, conversar, desenhar e até mesmo colocar em dia atividades de outras matérias.
Não se falou de outra coisa no intervalo. Aquela frase quebrava mais de dez anos de prática docente. Luís Cláudio era conhecido por seu dogmatismo. Nunca faltava, não se atrasava, encerrava os conteúdos antes do semestre fechar e entregava o diário, rigorosamente, duas semanas antes do prazo final. Um colega professor de Filosofia chamava-o de “Kant cearense”. Os alunos mais maldosos lhe colocaram a pecha de “museu ambulante”, pois não usava lousa digital, data-show e toda a parafernália tecnológica. Apenas os livros. Era de se esperar que a notícia chegasse aos ouvidos da direção. Mas ainda não seria chamado. Sua história lhe dava o luxo de, por assim dizer, endoidar.
Mas a tal Aula Aberta se seguiu por uma semana. Não havia mais como ignorar. A diretora, uma mulher de pelancas nos braços e barriga pornográfica, fez todo um preâmbulo na reunião. Falou-se de seu trabalho irrepreensível, de sua dedicação et coetera. Ele nada respondeu, para a perplexidade geral. Fazer o quê? Deve ser estresse ou algo do gênero.
Ele então tornou-se relaxado e complacente com os piores alunos. Permitia guerra de papel, palavrões, os meninos apalparem as meninas; punha filmes que não tinham relação com sua matéria e, às vezes, dormia durante eles. De certa forma, era a aula dos sonhos da maioria. Aliás, chamavam sua aula agora de “hora do intervalo”.
A coisa só se tornou incômoda quando começou a colocar os piores alunos para dar “aula”. Permitia que os alunos homens discorressem sobre os vídeos pornográficos que viam escondidos – e, ao final, aplaudia; deixava que as meninas fizessem troça da aparência das rivais e das nerds do colégio. O corpo docente falava em senilidade, síndrome de não sei o quê. Até houve quem inventasse o termo “Síndrome dos dez anos de docência”.
Aguentaram um mês. Até que, sob ameaças dos pais de uma debandada da escola e de N processos, foi demitido. Não disse palavra. Recolheu suas coisas e foi-se para sempre.
Os alunos, ao saberem, ficaram sobressaltados.
A maioria já havia se habituado àquela aula aberta incompressível. Mas esqueceram-no em uma semana. E, com a chegada do novo professor, excelente sujeito e bom de didática, continuaram sem entender nada.
Marcos Alexandre: Pai de Edgar, leitor, Professor de literatura e redação, cinéfilo e aspirante a escritor.
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