Um dia, meu caro leitor, você poderá passar por essa angústiaa qualirei relatar. Como bom amigo, a fim de que o leitor não venha a passar por tamanho infortúnio, considero por bem mencionar a minha desventura. Mas não me agradeça; ao invés disso, alerte, nas mesas dos bares da vida, aos nossos outros membros da confraria dos vitimados pela tragédia da irreparável perda.
Como perguntar a quem já se faz à cama, o seu nome? Seria um erro a não cometer, não é mesmo? Correr-se-ia, fazendo tal insólita indagação, o risco iminente de perdê-la para sempre, sem antes mesmo de possuí-la em meus braços.
Após doses e mais doses, conversas e beijos com ares apaixonados, só restaria uma coisa: saber seu nome. Sim, ainda não descobrira o seu nome. Não passara por ali uma alma sequer que a reconhecesse e pronunciasse seu nome. Se assim ocorresse, estaria salvo… mas nada. Nenhuma amiga fofoqueira, que fosse! Aprendi que nome é música para os ouvidos. Nome próprio indica individualidade e interesse direto por parte de quem o pronuncia. A possuidora do nome, se sente confortavelmente impar no mundo. Pode não parecer, mas de fato, é!
O olhar daquele ser me transpassou a alma já atordoada pelo torpor dos inúmeros copos entornados… Esqueci, além do nome, de me precaver dos perigos que um olhar matreiro, camuflado numa aparente inocência. Isso pode trazer,a uma pessoa atormentada de berço como aminha, prejuízos, danos incalculáveis. Me perdi na subestimação de quem não quer nada… quando queria tudo.
Reconheci apenas que estava, nesse momento, completamente néscio e vulnerável aos encantos femininos daquele ser raro. ”O nome… preciso do nome” – pensava angustiado… Enquanto ela me segurava a mão com força, me olhava e sorria, nada pude fazer a não ser me deixar ser conduzido pelo que eu pressupunha que ocorreria. E ocorreu.
Tentei disfarçar meu desconforto e minha felicidade. Sentimentos conflitantes. Como posso me perdoar por perder o que sei que nunca mais terei em minha vida? Como posso conviver com tamanha cumplicidade esvaída pelo rumo do nada?É… sorrio ao sentir seu perfume na blusa que não lavarei jamais; na marca deixada externamente no meu corpo; no som da sua voz torturando e alegrando a minha mente.
A ”mulher-sem-nome” pode ter sumido, mas não se apagará da minha vida. Ela está nas cordas mal dedilhadas do meu violão. Nos livros de filosofia, ela subitamente aparece. Também se faz viva na literatura, nos romances e suspenses. A vejo em rostos desconhecidos, em qualquer silhueta a perambular nas vidas do meu desinteresse.
Encontro-a na madrugada, em silêncio, numa centelha que se desfaz ao vento. No ofegante suspiro do roto existir. Na curva que dá para o desgosto existencial… Em tudo te sinto e vejo. Até mesmo nas horas sacras te cultuo. Tudo é ode a ti?! É esta a minha vocação: entoar cânticos, mantras e glórias em teu nome??? Claro que não, eu sei.
Sei também que não há mérito algum em ti. Trata-se apenas de uma prefiguração doentia de um débil lacaio que, à esmo, peregrina. Somente assim para tolerar tamanha irracionalidade contida num sentimento que não desejo, mas possuo. Todavia, é preferível isto a uma vida sem paixões.
Cauby Fernandes é contista, cronista, desenhista e acadêmico de História
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