Para quem, como este colunista, adentrou a madrugada à espera de ver o grande momento do cinema, a cerimônia de entrega do Oscar 2022 não foi mesmo uma experiência desejável. E não me refiro apenas à vexaminosa cena da agressão a tapa de Will Smith ao apresentador Chris Rock, fato por si repudiável, independentemente das motivações conhecidas (a não menos lamentável alusão do comediante a um problema de saúde de Jada Pinkett, mulher de Smith, em tom de brincadeira de extremado mau gosto).
Nem tanto ao mar, nem tanto à terra, ator e comediante entram para a história da maior premiação do cinema por algo em si deselegante e sórdido, que deslustrou o que se considerava a retomada da grande produção cinematográfica pós-pandemia. Aplaudido de pé, minutos depois de agredir Chris Rock, dar-se-ia a conhecer Smith como melhor ator.
Ao lado do fato bizarro, o resultado da premiação constitui prova inconteste de que a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, a cada ano, mais se distancia do que se espera de um festival de arte: isenção, rigor e agudeza analítica na avaliação do objeto estético.
Salvo uma e outra premiação, em termos gerais escolheu-se mal o que se mencionará a partir de agora como os melhores feitos do cinema em sua retomada em 2021, ano de produção da quase totalidades dos filmes concorrentes, o que reflete um juízo baseado na efusão amorosa em detrimento do critério analítico.
Sob este aspecto, o que se fez a “Ataque dos Cães”, ganhador de uma única estatueta, a de melhor direção, para Jane Campion, não condiz com a melhor tradição dos festivais de cinema, mesmo aqueles em que ficaram de fora quase unanimidades, a exemplo “O Iluminado”, “Nascido para Matar”, “Era Uma Vez na América”, “A Outra História Americana”, “Taxi Driver” e tantos outros a que só o tempo viria a fazer justiça, imortalizando-os.
Fecharam-se olhos, assim, para o roteiro corajoso, a direção de arte impecável e a fotografia de tirar o fôlego, para chamar a atenção para o que é notável em “Ataque dos Cães”, preterindo-o em favor do melodramático e xaroposo “No Ritmo do Coração”.
Em que pese bonito e particularmente tocante, o filme de Sian Heder parece ir ao encontro do que é dominante na Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, desde sempre: a força de homens brancos, conservadores e heterossexuais, em detrimento de um juízo de apreciação objetivo, meticuloso e atento às propriedades formais do objeto fílmico em sua completa extensão.
Destaque para a escolha de “Duna” nas categorias técnicas: trilha, fotografia, montagem, direção de arte, som e efeitos especiais.
Em face de tanta lambança, é pouco relevante que “Belfast”, do irlandês Kenneth Branagh, tenha arrebatado o prêmio de melhor roteiro original.
Para esquecer.
Álder Teixeira é Mestre em literatura Brasileira e Doutor em Artes pela Universidade Federal de Minas Gerais
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