Felizmente o futebol tem entre os seus grandes ídolos muito mais que rapazes deslumbrados, cobertos por tatuagens de mau gosto e seguidores ingênuos de um mito brasileiro a quem gritam diante das câmeras de TV: “Tamo junto!” (sic).
É o caso do ex-jogador – e atual diretor do São Paulo Futebol Clube – Raí. Considerado o maior ídolo do Paris Saint-Germain de todos os tempos, conforme pesquisa levada a efeito entre torcedores do time francês, o tetracampeão mundial escreveu, no dia 12 de maio, notável artigo para o jornal Le Monde, cuja repercussão foi imensa na França e em diferentes países da Europa. É este o título no original: “Il nous faut résister à cette peste brésilienne qui porte um costume sombre”, de que faço tradução livre para o português: “Devemos resistir a essa praga brasileira que veste uma fantasia escura”.
Vazado num estilo elegante e no melhor francês, que dá a ver que suas virtudes vão muito além do belo futebol que soube praticar, o artigo assinado pelo ex-capitão da seleção brasileira faz alusão ao clássico “A Peste”, do filósofo e escritor franco-argelino Albert Camus, para tecer uma impactante crítica ao presidente Jair Bolsonaro e seu governo genocida, de que reproduzo, traduzidos por mim, os fragmentos abaixo.
“Além da ‘Peste’ biológica, epidemia pessimamente gerida, causadora da maior crise sanitária da história do Brasil, temos outro mal, que a longo prazo pode deixar terríveis sequelas ainda mais profundas. A peste anti-diplomática que nos isola, a peste que corrói a Amazônia, o meio ambiente e persegue os que a protegem, o mal que distancia a vigilância e permite passar a boiada, aceita garimpos em reservas indígenas, que prefere troncos deitados a vê-los em pé, vivos, pragas cúmplices dos responsáveis por estes crimes”.
Mantendo-se atento à complexidade dos males brasileiros originados de um governo autoritário, o ex-jogador prossegue.
“Também a peste que castra liberdades, ameaça a democracia e resgata a censura, a peste preconceituosa que promove a intolerância, a homofobia, o machismo e a violência”.
Refere-se ao nacionalismo e à manipulação religiosa em favor de um governo perverso implantado no Brasil em 2018.
“’O Brasil acima de tudo e Deus acima de todos’. Este era o slogan da última campanha presidencial, esta que acompanhou a vitória do inominável. Alguns de nós já imaginávamos que por detrás destas palavras se escondia a carne do mal coberta pela fake pele de um fake salvador da pátria, uma clara tentativa de iludir cidadãos de boa-fé, evangélicos, fiéis e crentes de Deus, já feridos e traídos em sua cidadania, querendo fazer crer que toda e qualquer atitude do seu governo segue princípios divinos”.
E desfecha o parágrafo com a indagação.
“Pois me diga, que Deus seria este que destrói e coloca a vida humana em um plano tão desprezível?”
Por último, o ex-craque desfere o golpe certeiro e dá nome ao “inominável”.
“Porque não basta identificar o sequenciamento do vírus que nos impõe suas leis e viola nossos direitos, devemos agora encontrar o antídoto. Vacina sim! Ele não! Ele nunca mais! Fora, Bolsonaro! Caso contrário, nós nos tornaremos a nossa própria peste”.
O artigo do ex-jogador Raí Oliveira, nascido segundo ele do ‘transbordamento de sua indignação’ em face da atual situação do país, fez-me lembrar das palavras de André Chénier, escritor francês do século 18: “Le bonheur dés méchants est um crime des dieux”, isto é, “A felicidade dos perversos é um crime dos deuses”. Perfeito!
Álder Teixeira é Mestre em literatura Brasileira e Doutor em Artes pela Universidade Federal de Minas Gerais
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