O prezado leitor, que habitualmente acompanha esta simplória coluna semanal, provavelmente já deva ter perspicazmente percebido que a “política de hoje” não é bem o que me preocupa, ou melhor, não exatamente o meu foco. Isso porque os últimos acontecimentos têm origem na sua gênese (perdoe-me a redundância, mas é preciso ser enfático, aqui), no cerne do processo político. As bases para conceber tais conceitos é o que me importa. Não me interesso pelo “maniqueísmo” tolo do lulismo x bolsonarismo contemporâneo. Esse campo não oferece qualquer envergadura intelectual para sustentar legitimamente a direita e a esquerda clássica. Dito isto, presumo que, para tanto, os conceitos devam ser levados à luz das escrituras dos seus fundamentais teóricos elaboradores. Comentar sobre o hoje, sem conhecer o ontem: eis a melhor conduta para obscurecer o amanhã, estimado leitor.
Não me ocorre discorrer sobre, por exemplo, a última do sr. Luiz Inácio Lula da Silva e a vergonhosa decisão da anulação por parte do Supremo. Tal vexaminosa e desastrosa conduta fala por si só. Aqui, qualquer sensação de impunidade se faz indescritível para os que tem um mínimo de bom senso e coerência ante a realidade tendenciosamente monocrática do sistema. O estamento burocrático fez o seu papel. Como disse, prefiro mergulhar na região abissal, do que ficar na superficialidade dos debates dessa natureza. Esqueçamos um pouco o “inocente” sr. Lula e seus casos de corrupção como a Odebrecht, a Janus, as Zelotes 1, 2 e 3 e até mesmo o famigerado “Quadrilhão” do PT.
Bem, como dizia, me dirijo ao que antecede a todo esse estado de coisas. A resposta para essa leniência na lei (coisa que permite deturpá-la e/ou encaixá-la ao bel prazer do tendencioso da vez – no caso, o estamento ao qual me referi), está precisamente na tramoia que há muito se arrasta no nosso país. Quando tomamos conhecimentos do modus operandi de determinados grupos ideopolíticos – vide PT e, de um modo mais genérico, a esquerda em sua essência -, logo percebemos que o campo dantesco é bem maior do que suporíamos se ficássemos na superfície do debate imediatista, como me mencionei a pouco.
Lamento pelo escopo errado. Insistem em debater sem o conhecimento adequado. Estão ocupados demais com suas hashtags, lacrações e torcidas como as de futebol (sim, as pessoas torcem pelos seus candidatos como se clubes de futebol fossem, não política). Estão preocupados demais com semelhante amenidade.
Lembro-me de quando cursei Serviço Social (tranquei o curso no oitavo semestre). Embora, à época, eu tivesse uma forte inclinação esquerdista, as ideias marxistas, da esquerda em geral, me incomodavam. A esquerda enxerga o mundo de uma forma diferente da direita, evidentemente. Os ideais e concepções são outras. Percebi que precisava tomar conhecimento sobre o pensamento opositor à esquerda. Percebi que necessitava, para não adquirir um conhecimento puramente unilateral, de ler livros direitistas. Não me conformei em tão somente saber como um lado pensa. Afinal, para se criticar algo, é preciso conhecer, não?
Assim sendo, conhecendo o basilar de um polo, busquei conhecer o basilar do outro. Acho extremamente enriquecedor passear por esses extremos dicotômicos, tão antagônicos, coexistindo em um mundo demasiado fragmentado. Portanto, baseado nesse pequeno relato, no arcabouço ao qual se engendra a nossa política, no empirismo e como cidadão, lhe digo, caro leitor: Definitivamente, a “política de hoje” não me interessa. Engessar, customizar, polarizar o campo do debate político, tornando-o desonesto, é sempre atuar na superfície.
Cauby Fernandes é contista, cronista, desenhista e acadêmico de História
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