Luís Sucupira é repórter fotográfico, jornalista (MTE3951/CE) e escritor.
17 de novembro de 1889, dois dias depois da proclamação da República um protesto no Maranhão terminaria com quatro mortos e vários feridos. Foi a Revolta dos Libertos.
Na nossa coluna deste mês, semana da Consciência Negra, é importante mostrar que já se buscou esse resgate e não foi pela República proclamada via golpe militar, o primeiro da nossa história, mas pela monarquia que foi deposta.
Em 1871, a Imperatriz Teresa Cristina doou todas as suas joias pessoais para a causa abolicionista, deixando a elite escravagista do agronegócio da época furiosa com tal ousadia. No mesmo ano, veio a Lei do Ventre Livre, assinada pela filha da imperatriz, a Princesa Imperial Dona Isabel.
O Leblon, hoje bairro nobre no Rio de Janeiro, era um quilombo que cultivava camélias, a flor símbolo da abolição e era sustentado pela Princesa Isabel. Naquele tempo José do Patrocínio organizou uma guarda especialmente para a proteção da Princesa Isabel, que recebia diariamente ameaças contra sua vida e de seus filhos, chamada “A Guarda Negra”. As ameaças eram financiadas pelos grandes cafeicultores escravocratas. A família imperial não tinha escravos. Todos os negros eram alforriados e assalariados, em todos imóveis da família.
- Pedro II tentava a abolição dos escravos desde 1848, seria uma luta contra os poderosos fazendeiros por 40 anos e o Parlamento sempre negava o projeto de lei por conta das relações diretas ou indiretas com os grandes cafeicultores que eram escravocratas.
Por ser uma Monarquia Constitucional Parlamentarista, o imperador não tinha o poder para decretar leis sem aprovação da maioria do parlamento. Mesmo assim, a Princesa Isabel recebia com frequência negros no palácio nas Laranjeiras para saraus e pequenas festas que eram tratadas como um escândalo à época. Na casa de veraneio em Petrópolis, ajudava a esconder escravos fugidos e arrecadava dinheiro para alforriá-los. Seus filhos pequenos possuíam um jornalzinho abolicionista que circulava em Petrópolis.
A família real continuava sua luta contra a abolição quando Pedro II criou uma cota para negros alforriados ingressarem no Colégio Pedro II e nas Faculdades. A cota não foi aprovada pelo parlamento, porém Pedro II tirou de seus próprios proventos a garantia do pagamento e entre 1872 e 1889 centenas de ex-escravos se tornaram médicos, advogados, engenheiros… Graças a chamada “bolsa do imperador”.
Se o reinado de Pedro II ou a continuação de seus planos por sua filha Princesa Isabel tivessem mais 15 anos de duração, 67% das favelas e por consequência 43% da violência e tráfico de drogas não existiriam na cidade do Rio de Janeiro, segundo estudos do IHGB (Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro) e FGV (Fundação Getúlio Vargas) entre 1992 e 2010.
Então por que razão, após a proclamação da República pelos militares, os negros libertos do Maranhão resolveram se revoltar?
A Revolta dos Libertos foi um protesto contra a república recém-proclamada e pela volta da monarquia extinta. Mas o que esses escravos libertos queriam, na verdade, era garantir seus direitos. Eles estavam movidos por uma fake news da época que dizia que o novo regime os “reescravizaria”. E o medo não era sem razão: fora a monarquia que havia decretado a abolição; e a República tinha na sua base a elite ruralista, ou seja, justamente os escravocratas. Naquele dia, uma grande multidão, cerca de 2 a 3 mil pessoas, descritas como “libertos”, “homens de cor”, “cidadãos do 13 de maio” e “ex-escravos”, saiu às ruas numa passeata em protesto contra as notícias sobre a proclamação da república. Os manifestantes percorreram as ruas do centro da cidade, dirigindo-se ao edifício do jornal republicano O Globo, que havia marcado uma conferência para o fim do dia. Uma tropa de linha formada por doze soldados fortemente armados de fuzil foi destacada para proteger a sede do periódico, mas isso não intimidou os manifestantes, que ameaçavam atacar os seus dirigentes. O pelotão realizou uma saraivada de tiros de fuzil contra a multidão, deixando, segundo números oficiais, quatro mortos e muitos feridos.
O Massacre foi a força que moveu o racismo estruturante na formação do Brasil moderno.
O escritor negro Astolfo Marques (1876-1918) reconstruiu precisamente essa cena no livro A nova aurora (1913), romance dedicado à instauração do novo regime. No livro, a frase possui uma conotação ainda mais ameaçadora: “Quem se mete em coisas de brancos, têm a mesma tristíssima sorte aqui desses teus companheiros”.
FONTE: Biblioteca Nacional RJ (Acervo Teresa Cristina), Arquivo Nacional RJ, UNESCO, Livro Os Bestializados de José Murilo de Carvalho 1987 e Livro As Barbas do Imperador de Lilian Moritz Schwarcz 1998; Matheus Gato doutor em sociologia pela USP e membro do Núcleo Afro/Cebrap. Realiza pós-doutorado com bolsa de pesquisa concedida pela Fapesp.
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