Clarice Lispector afirmou certa vez que escrevia para salvar uma vida e que provavelmente essa vida seria a dela. Para a maioria dos autores, escrever é morfina. É autoconhecimento.
Já o irreverente poeta gaúcho Fabrício Carpinejar disse que a literatura não “prestou” para ele se entender.
Quanto a mim, há anos abandonei a convicção de que compreenderia, através dos livros, o sentido último de minha existência. Fui lançado aqui. Enfiaram-me nesse corpo cheio de complexidades, ambiguidades e contradições. Não sei por quê. Talvez nunca entenda. Quem estiver interessado em aprender da literatura, saiba: Ela não promete um paraíso terreno. Então, que vantagem Maria leva?
Por que gastar horas a fio lendo um romance ou meditando sobre um poema? Ao definir o que significa ler um romance, o escritor americano Henry James nos forneceu a resposta. Ler um romance, dizia ele, é como olhar pela fechadura. Isto é, as pessoas leem romances e biografias a fim de olharem como as outras pessoas viveram; como estas se portaram em seus dilemas; e, sobretudo, para constatarem que os outros também cometeram erros.
Numa palavra:para romperem com a paranoia da perfeição. Da ilusão de que, quando cometemos erros, estamos distantes de uma humanidade ideal.
As pessoas mais idealizadas ao longo do tempo pela humanidade também tropeçaram em seus cadarços. Daí toda experiência de leitura ter um forte teor subjetivo. Eu me vejo no personagem à medida em que ele fala sobre meus próprios limites.
Lembro-me de como me senti inteiro – um ser fragmentado que aos poucos ia se inteirando através da aceitação das outras partes – quando terminei a leitura do soberbo “Trem noturno para Lisboa”. Identifiquei-me tão profundamente com o personagem central da trama (um médico chamado Amadeu Prado) que quando fui lançar meu livrinho de poemas pela performance poética do SESC, e coordenadora do projeto perguntou-me como seria meu pseudônimo, não tive dúvidas: “ Marco Prado”.
O que há em comum entre Amadeu Prado, Holden Caulfield (O Apanhador no Campo de Centeio), Isabel Archer (Retrato de uma Senhora), Ivan Karamazov (livro Os irmãos Karamazov), Anna Karenina, Capitu, Bentinho, Riobaldo e tantos outros personagens que encontramos nos livros? Eles todos nos ensinam que quem quer que tenha nos colocado aqui não esperava perfeição. Qual a função de cada personagem que encontramos nos livros? Salvar-nos da perfeição.
Marcos Alexandre: Pai de Edgar, leitor, Professor de literatura e redação, cinéfilo e aspirante a escritor.
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