Lançada em 1976, Alucinação traz em seu bojo uma hierarquização de preconceitos que fulminavam o país, grifando, com sua poética, os verdadeiros outsiders da sociedade daquela época: os pretos, os pobres, os estudantes, os gays, as mulheres, os trabalhadores das fábricas, os sem-teto, as prostitutas:
Um preto, um pobre um estudante, uma mulher sozinha
Blues jeans e motocicletas, pessoas cinzar normais
Os humilhados no parque com os seus jornais
Um rapaz delicado e alegre que canta e requebra. É demais.
Dois policiais cumprindo seu duro dever e
defendendo seu amor por nossas vidas.
Belchior sabia bem do que falava e de quem falava, afinal de contas, ele era um deles e acabara de ser pisoteado e cuspido pelo mercado fonográfico (essa voz anasalada não vende) e pelo sistema de show business. Portanto ele sempre soube de que lado deveria estar e como deveria se comportar. Sob o impacto do escritor britânico Anthony Burgess e sua obra Laranja Mecânica, que acabara de virar filme, Belchior reafirmava a resistência à barbárie: “Longe o profeta do terror que a laranja mecânica anuncia”.
Alucinação é, assim como o seu criador, uma canção atemporal e cheia de vigor; terna e cheia de lamentos. Lamentos estes potencializados por uma batida rocker, docemente incendiária. Belchior, na canção em análise, toma postura completamente anti-Timoty Leary, psicólogo e neurocientista norte-americano que militou pelo o alargamento da percepção por meio de drogas. Quão feliz e certeiro foi o velho Bel quando escreveu “A minha alucinação é suportar o dia a dia e meu delírio é a experiência com coisas reais”. E vale salientar que Belchior sempre esteve longe do conservadorismo e não era contra as drogas, no entanto reivindicava seu uso por meio da autogestão e isso fica claro lá em “Como o diabo gosta” quando ele diz “E não vou eu mesmo atar minha mão”.
Outro tema dissecado por Belchior, em Alucinação, é a solidão, sobretudo a solidão urbana. É nessa perspectiva nua e crua que Belchior aborta o tema suicídio, de forma pioneira na poesia da MPB, quando diz “Meu corpo que cai do oitavo andar”. Esse tema só tinha sido familiar à poesia de autores radicais como Roberto Piva, em “Paranoia”, clássico da poesia dos anos 1960. Piva afirmava que: “ O Poeta existe para impedir que as pessoas parem de sonhar”.
Como fica claro, Alucinação é muito mais do que uma música, é um chamamento ao despertar para a vida, mas não para uma vida qualquer, e sim para a uma vida real digna de ser vivida com alegria e honradez.
“Amar e mudar as coisas me interessa mais”.
Ficamos por aqui!
Bom final de semana e até a próxima!
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