O exímio bardo parnasiano Olavo Bilac cometeu um pequeno lapso ao chamar o nosso idioma de “a última flor do Lácio”. Na verdade, o romance galego-português foi um dos primeiros, perdendo a dianteira apenas para o provençal e o espanhol arcaicos. Vera ultimaque flos latiii, a verdadeira última flor do Lácio foi o Romeno.
A atual Romênia foi promissora colônia romana anexada ao Império pelo imperador Trajano em março de 101 AD. Sob Roma floresceu até 270 AD, solidificando raízes a partir da língua e dos valores advindos com o Latim. Era chamada Dacia Felix, a Dácia Feliz.
Se pensarmos na evolução das línguas como grandes famílias, a língua romena, das filhas do latim vulgar, pode ser tida como uma misteriosa e distante irmã. Enigmática filha do latim para além do Reno. Sua linguagem traz a música insólita dos densos bosques e montanhas dos Cárpatos, da sortilégica Transilvânia, das Doinas e canções dolentes do antigo povo dácio-geta.
A herança da língua latina é, como sabemos, mais forte em três novilatinas: o italiano, o português e o espanhol. Curiosamente o francês distancia-se em muitos aspectos (a forte ocorrência de oxítonos, por exemplo). Devido à posição geográfica e ao isolamento político, o romeno deveria trazer poucas semelhanças em relação à língua mãe. Tal não ocorre, de todo. Há fortíssimos traços neste idioma que o ligam ao sermo classicus,os quais, inclusive, não existem nas outras irmãs neolatinas. Verbi gratia😮 não desaparecimento do gênero neutro, a imensa quantidade de lexemas romanos e a presença, ainda que leve, da estrutura dos casos latinos.
A língua romena é fascinante. A princípio, quando começamos a estudá-la, temos certa resistência por causa dos guturais e cacofônicos sons provenientes da herança eslava. Felizmente este substractum não vingou. Foi Roma a dominante. Então depois sentimos todo o encanto destas raízes latinas e um cativante enleio toma-nos e leva-nos a estudar cada vez mais tal filha do latim.
Um dos mais curiosos aspectos da língua romena é a sua semelhança com o italiano. Sobre isso escreveu o preclaro poeta e crítico Leopardi: convienne in molte parole ed in molte frasi colla italiana.Com efeito, os plurais em “i” e em “e”, v.g,atestam tal assertiva. Cremos que isto se deve à colonização e ao enraizamento dos valores romanos, via latim, efetuados pelas legiões que habitaram as terras romenas. Tais exércitos foram para lá diretamente da Itália. Eram legiões que falavam o purus latinus sermo do Lácio.
Ainda que um pouco distante de nosso vernáculo, sobretudo pelos sons algo estranhos, devemos estudar este belo idioma romeno. Uma deliciosa fragrância emana desta verdadeira última flor de Roma. Ave!
Professor Doutor Everton Alencar
Professor de Latim da Universidade Estadual do Ceará (UECE-FECLI)
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