Gostaria de poder compreender melhor certas questões da vida, como se fórmulas prontas fossem. Ocorre, porém, caro leitor, que não é assim que a banda toca, não é a simplicidade o que é corriqueiro na nossa ligeira existência. Ao contrário. A vida nos pega pelo braço e chacoalha-nos como se bonecos de pano fossemos. É assim em qualquer âmbito: no familiar, no amoroso, na amizade, nas convenções sociais e, claro, inseridos no seio da sociedade, o é também na política.
Não pretendo traçar uma linha forçada entre a teoria e a prática, posto que, em certas ocasiões, a teoria não comprova absolutamente nada. A prática nos leva a compreender que a teoria nem sempre corrobora com a vida empírica, com o vivido. Para começar, é necessário compreendermos onde estamos inseridos; o nosso lugar no mundo. É preciso um esforço intelectual maior para que consigamos enxergar as ações invisíveis que agem sobre nossas vidas. Afinal, é no invisível (o Estado é invisível, lembra?) que se engendra as tomadas de decisões que se materializarão nas construções das nossas vidas práticas. Eis como a vida funciona. Eis como a política funciona.
Depois do luto da descrença (seja em qualquer dos âmbitos da vida do indivíduo), é preciso enterrar os mortos. Seus sepulcros estão à espera. Depois de compreender que é preciso continuar a duras penas, é mister se perdoar, perdoar o outro, a vida, o acaso e seguir em frente. E o que isso tem a ver com política? Simples, caro leitor. Como nas relações interpessoais, na política também é preciso digerir a amargor da decepção, do desencanto frente ao sistema enganador. É preciso sepultar as crenças de até então, e seguir sendo guiado, agora, por novas propostas, novo ideais, novos conceitos… um novo rumo. Perdoe-se pela sua imaturidade intelectual de outrora, mas não se permita estagnar. Redescubra, reveja, releia, reaprenda.
A política, como a vida, já dito anteriormente, não é feita de fórmulas prontas – como desejaríamos pela praticidade que seria se assim fosse. Há sincretismos, dualidades, ambiguidades, deformidades, caos, contendas e desavenças por qualquer caminho que percorrermos…, mas é preciso escolher uma estrada. É preciso escolher aquilo que será, doravante, a sua potência, a sua, como diria Henri Bergson (1859-1941), elã vital.
Os caminhos da política e da vida são indissociáveis. Não adianta “não gostar de política” e achar que tal postura o isentará de sofrer os impactos pela sua indiferença ante a mesma. Ignorar os problemas da sua vida não fará com que tais problemas desapareçam. A fuga covarde (da vida e da política) às vezes é desejável até para o mais intrépido dos homens, e isso é compreensível. Agora, fazer da fuga uma forma de vida, já é não viver. É estar morto em vida. É estar apenas existindo. E falo por experiência própria, caro leitor. O desespero e a angustia já me bateram à porta. Não falo em nome de terceiros. Mas testemunho por mim mesmo.
Não tenho medo ou receio de confessar tais fragilidades, circunstanciais debilidades. Só o reconhecimento dos fantasmas fará com que os mesmos desapareçam. Não reconhecer o espectro, é não reconhecer o aspecto do transtorno. Do mesmo modo, não reconhecer as suas más concepções sobre o cenário político gera igualmente prejuízo ao próprio indivíduo. Diante disso, é preciso que evoluamos os nossos conceitos. É preciso que compreendamos o caldo heterogêneo da esfera tripartite do poder estabelecido por Montesquieu (1689-1755), por exemplo, e paremos de opinar tão rasamente sobre.
Assim, preclaro leitor, nesta simplória alegoria entre a vida (no seu sentido mais existencial possível) e a política não são em nada diferentes. Ambas estão imersas em complexidades e desafios dos mais diversos; coexistem em meio aos dramas próprios de cada uma. E é exatamente aí que nos encontramos. Perdidos às vezes, noutras, centrados, mas procurando não desfalecer do nosso objetivo, que seja, o viver bem.
Cauby Fernandes é contista, cronista, desenhista e acadêmico de História
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