‘A Vida na Rua’ surgiu por acaso. Foi como encontrar um livro de nossa preferência, numa cabeceira da cama de um quarto de hóspede qualquer. O personagem é de cor branca, tem olhos azuis, mas não tem lugar certo, onde morar. Vive na rua, perambula pelas calçadas, revira lata de lixo, disputa as fêmeas no cio delas, mas não tem casa para onde voltar.
Nosso personagem foi encontrado na Av. Dr. José Holanda Montenegro, num estacionamento. Estava em cima de um carro abandonado, um veículo incendiado, mas para ele isso não tem significado. Chamou a atenção da reportagem seu olhar apurado de ‘pedinte’, diria até olhar azul de ‘denúncia’, de sua ‘vida na rua’, sem teto, sem família, sem comida, sem nada.
Quando o repórter passava por aquele estacionamento, o ‘bichano’ branco também passava. Os dois se encontraram ali. O repórter pediu permissão para fotografar, o que o animal prontamente atendeu, até fez pose.
A fala do bicho foi incisiva, tipo: “Me leva para sua casa, me arranja um lugar para ficar”. A Vida na Rua encarada por ele é de uma tristeza profunda. Dorme e acorda sem rumo, apenas com o itinerário pela frente para correr atrás da sobrevivência. Ele não é um animal adulto, é jovem, pouca idade, pelo sujo, barriga vazia, pelo menos naquele encontro.
No olhar de apelo, daquele animal em cima do carro incendiado, nosso olhar de compaixão, fixando-o de volta. De compreensão de sua dor e abandono. Naquela rua fria, solitária, rua áspera, ácida. No calor cáustico do dia, ela está cheia, mas ao cair da noite está vazia.
As esposas dos gatos são as gatas sem castração, botam ninhadas de filhotes, aleatoriamente a cada três meses. Aquele senhor ‘bichano’, que se deixou fotografar e até parou seu curso para denunciar seus dias, talvez seja pai de muitos filhos, porém, nenhum está com ele, pois é assim a sociedade dos felinos, são desapegados, se reproduzem entre eles mesmos, aleatoriamente, pai, mãe, irmão, no fio das fêmeas, não há distinção, entrou no cio, está valendo.
Aquele felino branco de olhos azuis é do mesmo grupo dos gatos que moram nas árvores. No bairro Cajueiro, na Rua Seis (que não é nome de Rua) existem os gatos que moram nas árvores. Só descem para comer, beber água e se reproduzir. Esses não têm olhar triste de apelo, apenas uma característica em comum, com nosso personagem, seu estado de abandono.
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