Aristóteles Pinheiro, professor da rede pública estadual, mestre em Planejamento e Políticas Públicas (UECE) e pesquisa avaliações em larga escala
Abraham Weintraub, ministro da Educação, tem se notabilizado pelas declarações desajeitadas e muitas vezes desrespeitosas em redes sociais e em entrevistas à imprensa. O ministro já disse que universidades públicas que fazem balbúrdia teriam corte de recursos, já respondeu comentário no Twitter chamando mãe de seguidora de “égua sarnenta” e já declarou que há extensiva plantação de maconha nas universidades públicas brasileiras.
A mais nova polêmica em que o ministro se envolveu é em relação à data do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). Em razão da pandemia da COVID-19, as aulas estão suspensas em todo o país e, por isso, entidades estudantis, o Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Educação (CONSED) e inúmeras organizações da sociedade civil têm reivindicado que o MEC suspenda o cronograma das provas e adie o exame. Até agora, a resposta do ministro tem sido a intransigência. Segundo Weintraub, o ENEM é uma seleção e todos os candidatos estão sendo igualmente prejudicados, então não haveria injustiça. O ministro parece desconhecer a realidade brasileira.
Há muita pesquisa no campo educacional sobre desigualdade social e seus reflexos no desempenho escolar dos estudantes. É praticamente consensual entre pesquisadores que as condições socioeconômicas dos alunos é fator determinante em seu rendimento escolar. Desse modo, ter computador em casa e acesso à internet, ter acesso a bens e equipamentos culturais e até pais com formação escolar mais elevada são aspectos relacionados a notas melhores em avaliações como o ENEM. Infelizmente, os mais prejudicados pela manutenção das datas da prova são os estudantes oriundos da escola pública, os mais pobres e os negros.
Apesar de as escolas estaduais cearenses estarem mantendo uma rotina de estudos domiciliares através do que vem sendo chamado de ensino remoto, a presença física do professor é importantíssima na aprendizagem. Além disso, a própria estrutura da escola tem um papel atenuante na desigualdade. Na escola, por exemplo, os estudantes têm acesso a computador, internet e biblioteca, equipamentos e serviços de que nem sempre dispõe em casa.
Alguns dados ajudam a entender a dimensão do problema. Entre os participantes do ENEM 2017 que faziam o 3º ano do Ensino Médio naquele ano, 26% não tinham acesso à internet em casa. A realidade do Ceará é ainda mais precária. Aqui, 49,1% dos participantes não tinha internet em suas residências. Em relação ao acesso a computador em casa, 36% dos candidatos do Brasil todo não tinham esse equipamento em casa, número que entre os cearenses era de 64,2%. Essa desigualdade impacta também na nota. Em média, os candidatos que não tinham acesso à internet tiveram notas menores em mais de 40 pontos em comparação aos que tinham internet na residência. Entre outras razões, isso se deve ao fato de que a internet é uma ferramenta de estudo e de democratização da informação.
Se isso ocorreu em ano letivo comum, o que pode acontecer em 2020? Muito provavelmente os estudantes passarão uma boa parte do ano em casa, tendo somente o ensino remoto, não podendo sequer usufruir da presença física dos professores e da infraestrutura das escolas. A tragédia já está anunciada para os mais pobres e infelizmente o Ministério da Educação se mostra insensível à situação.
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