Eu estava acendendo mais um cigarro quando um dos meus poucos amigos, após uma tragada voraz no seu copo, relatou-me uma de suas desventuras… talvez a pior por ele já vivenciada. A velha foice da traição visitou-o em um dia qualquer. Seu mundo, evidentemente, ruiu, desmoronou ante seus olhos incrédulos, que se recusava, a todo custo, enxergar a dura e crua realidade dada.
O que fazer diante de tamanha danação, preclaro leitor? Chorar? Se desesperar e, mediante tal inquietação, desabafar com um amigo ou familiar? Recorrer à religião, talvez seja o caminho que muitos tomam, presumo. Mas meu amigo, não. Ele respirou fundo, sentiu a dor dilacerar seu aturdido coração e, como qualquer homem sensato, após isso, separou-se. Rompeu o matrimônio com dignidade e hombridade. Deixou-a e foi viver; recuperar-se da intragável e inesquecível experiência.
A descoberta de uma traição, seja por mulher, amigo ou coisa que o valha, realmente é algo que certamente modifica um homem, amigo. Me refiro a assumir, doravante, uma postura mais cautelosa e seletiva, e, por vezes, até mesmo arredia no tocante a relações interpessoais; sobretudo as vindouras.
Nem bem terminamos o primeiro estoque de cerveja da geladeira, um outro amigo brindou-nos também com a sua sofrível experiência: o dilema. Sua vida boemia o conduzia a um iminente abandono do lar. Sua esposa, já farta – dizia ele -, o compelia para que o mesmo abdicasse das noitadas regadas a álcool e belas mulheres.
Claro que, como todo bon-vivant, esse herói resistiu bravamente às incessantes investidas do seu cônjuge. Esse lar, como o do primeiro amigo, invariavelmente, ruiu; teve o desfecho esperado. Na sua mente, agora, repousa o ‘‘benefício da dúvida’’ sobre si. Teria ele feito a melhor escolha, meu caro leitor? Não sei. Ele também não sabe, imagino.
O caso é que meus amigos são almas torturadas pelo menoscabo do acaso e também pelas suas próprias decisões. São espíritos livres para sofrer. É por isso que são meus amigos. Nos reconhecemos nas agruras e nas cervejas. Só em uma mesa regada a álcool se confidencia tais intimidades. Mostramos quem realmente somos, sem a vergonha e a hipocrisia própria da sociedade. A transparência da nossa fragilidade eclode ante o conforto da amizade e da bebida.
E, naquela noite, após várias outras experiências por nós relatadas, já bêbados, ouvindo boa música, conversando amenidades, envoltos na áurea da vida dionisíaca, percebemos que, como já denunciou o poeta-filósofo cearense, o saudoso Belchior, “A minha alucinação é suportar o dia a dia, e meu delírio é experiência com coisas reais”.
Cauby Fernandes é contista, cronista, desenhista e acadêmico de História
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