Álder Teixeira – Bons Ares

11/05/2019

Buenos Aires é, para mim, a mais europeia das cidades latino-americanas. Cidade global, como o escritor Saskia Sassen classifica os megacentros, como Tóquio e Nova York, no livro A Cidade Global, me causou uma impressão só comparável, de fato, ao que senti em Londres, por exemplo, em viagem a que já me referi nestas memórias.

Jorge Luis Borges, o maior dos escritores portenhos, em Fundamentação Mítica de Buenos Aires, a considera “tão eterna quanto a água e o ar.” Perfeito. É a sensação que toma conta de mim assim que deparo com esse grande, com esse gigantesco centro urbano, com suas avenidas largas, muito limpas e exemplarmente bem arborizadas. Os bares, os cafés, os restaurantes, invariavelmente bem cuidados, dão à cidade um toque de elegância que parecem europeizar a paisagem. Os argentinos, em sua grande maioria, vestem-se com bom gosto e distinção, mesmo aqueles menos favorecidos, que, de algum modo, conseguem compor bem sua indumentária. Via de regra, e na contramão do que pensava a partir dos referenciais do futebol, os nossos desafetos parecem-me gentis, distintos, polidos. Em uma palavra: elegantes.

Hospedo-me num hotel que está localizado nos arredores da Praça de Maio, para onde me dirijo tão-logo chego à cidade. Ali está o Centro Histórico, os edifícios mais suntuosos, belíssimos, os cafés que me fazem recordar os pubs ingleses. Estamos em meados de julho e o clima, frio, embora um sol leve cubra o belo logradouro desde as primeiras horas da manhã, tornam o passeio ainda mais agradável. Num lado da praça está a Casa Rosada, sede do governo argentino. Diante desse prédio imponente, que, sendo bem maior, lembra o palácio do governo em Assunção, que eu visitara dias antes, ocorrem-me as cenas antológicas de Evita, o belo filme de Alan Parker. Nas sacadas desse prédio histórico, lembro bem, foram gravadas cenas memoráveis de Eva Péron nos píncaros da glória. Vem-me às retinas a imagem de Madonna interpretando Evita.

Percorremos a avenida Nove de Julho até o Obelisco, símbolo da cidade e, a poucos metros, a Catedral Metropolitana. Na base do monumento, um projeto de um renomado arquiteto portenho chamado Alberto Prebisch, vê-se um soneto em sua homenagem, do qual tenho a curiosidade de copiar no guia turístico o segundo terceto: “La estrella arriba y la centella abajo /que la idea el ensueño e el trabajo/giren a tus pies, devanedera.” Algo como “A estrela acima e em baixo cintila, que a ideia o sonho e o trabalho girem a seus pés.” O texto pertence a Baldomero Fernandez.

A exemplo do que fizera anos antes em Paris, em visita ao Père Lachaise, já registrada aqui, no segundo dia nestes “bons ares” portenhos vou ao cemitério La Recoleta, que fica no bairro de mesmo nome, clássico e elegante. Tão bonito quanto o cemitério francês, o La Recoleta é uma atração turística importante, a concluir pelo número de visitantes com que deparo aqui, onde estão sepultadas algumas das mais importantes celebridades do país em diferentes campos. Bartolomé Mitre, ex-presidente; Faustino Sarmiento, ex-presidente; o Nobel da Paz Saavedra Lamas; o romancista Adolfo Bioy Casares e o mito Evita Péron, por exemplo.

Passo poucos dias em Buenos Aires, cinco, se não me engano, o que, praticamente, me impede de visitar, salvo duas ou três, as famosas livrarias da cidade. O que me deixa impressionado, sob o aspecto cultural, é o fato de que o argentino lê muito, nas livrarias, sempre apinhadas, nas bibliotecas e, de forma a chamar a atenção, nos bancos e gramados de suas praças encantadoras.

Em que pesem os tantos contratempos na política e na economia, Buenos Aires não se curva àqueles que a visitam, venham de onde vierem. É bela, imponente e magnânima.

Álder Teixeira é Mestre em literatura Brasileira e Doutor em Artes pela Universidade Federal de Minas Gerais

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