Álder Teixeira – Rio de Janeiro

20/04/2019

Conheci algumas daquelas que são consideradas as mais belas cidades do mundo. Paris, Londres, Amsterdã, Roma, Buenos Aires, para falar das maiores. Mas, sem desprezo ou hostilidade pelo que não é nosso, nenhuma delas, confesso, me pareceu mais bela que o Rio de Janeiro.

Ao longo do tempo fui ao Rio incontáveis vezes. Sempre que posso visito o Rio, invariavelmente encantado com a beleza dessa cidade incrível, onde o cultural e o natural, este sobretudo, impressionam e estão de tal forma misturados que é quase impossível separar-se um elemento do outro. Acho que Deus a escolheu como morada.

Tinha eu uns 15, 16 anos, presumo já lhe ter falado sobre isso, caro leitor, sonhava em jogar pelo Botafogo, meu time do coração. E uma vez, a primeira em que estive na cidade, começo dos anos 70, me apresentei à escolinha do glorioso para me submeter a um teste. Por mais que alguns possam contestar, por razões que não vale procurar saber, sempre joguei ‘direitinho’, tinha intimidade com a bola e a tratava com um carinho acima da média. Porque habilidoso, jamais apelando para chutões mesmo quando me encontrava na “zona do agrião” da nossa defesa, os meninos com quem jogava implicavam comigo. Diziam que eu gostava de “enfeitar”, de querer “aparecer” com lances de destreza maiores que as minhas reais possibilidades. Tudo intriga. Mas fui operado e, como já acredito ter falado antes, o meu sonho de ingressar nas fileiras alvinegras foi frustrado.

No entanto, ir ao Rio era ir ao encontro do alvinegro carioca e ficar horas a fio na sede de General Severiano e assistir ao Botafogo treinar. Com o passar dos tempos, o futebol foi cedendo espaço para outros ‘enamoramentos’. Veio o teatro, veio a literatura, o amor pelo cinema, e o Rio, aos poucos, passaria a me chamar a atenção pelo seu imenso potencial artístico e cultural. Aqui recebi um cruzado no fígado, no bom sentido, quando vi a primeira peça de Nelson Rodrigues, numa versão em que Dionísio Azevedo interpretava com a habitual competência a personagem Olegário, o marido que se passa por paraplégico para descobrir a suposta infidelidade da mulher, Lívia.

Foi no teatro Carlos Gomes, ali nas imediações da Cinelândia. O absurdo das soluções encontradas por Nelson, o mergulho no inconsciente humano e a exposição despudorada dos desajustes da mente do homem dominado pelo ciúme, além do final inusitado com que o espetáculo nos deixava boquiabertos, tudo isso foi se somando à percepção imediata do fundo psicológico e da força poética do texto rodriguiano. Nascia naqueles 70, 80 minutos, sentado numa cadeira do velho teatro Carlos Gomes, o meu interesse por esse autor, em igual medida, polêmico e genial.

Alguns anos depois, dirijo uma montagem de A mulher sem pecado, interpretando eu a personagem Olegário. Josemir Kovalick, o conhecido diretor de teatro carioca, fazia dois outros papéis, acho que o motorista, que foge com Lívia, um deles. Dia desses, meu filho Saulo localiza no site da conceituada Escola de Atores Wolf Maya, uma referência de Kovalick a este trabalho. Pura generosidade.

Estar no Rio, por si só, provoca em mim uma sensação de bem-estar indescritível. O curioso é que, como quase sempre que vou ao Rio levo comigo alguém que lá nunca esteve antes, além de curtir a noite, os bares, o mar de águas geladas nas manhãs de sol, o chope nas calçadas do Leblon, fico condicionado a ir aos “cartões postais” da cidade, ao Corcovado, ao Pão de Açúcar, à orla deslumbrante de Copacabana. Invariavelmente, pois, do alto do Cristo Redentor ou da plataforma do Pão de Açúcar, derramando o olhar sobre a cidade, descubro e redescubro a beleza incomparável desse lugar abençoado que é o Rio de Janeiro, a mais bela de todas as cidades.

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