Anderson e o velho

09/08/2024

Anderson estava encostado no balcão de um bar esquecido nos confins daquela minúscula cidade. O lugar, como ele mesmo, tinha o cheiro ácido da decadência e do tempo perdido. As luzes eram fracas e os vidros de cerveja, sujos. Anderson, com seu olhar cansado e o habitual cigarro entre os dedos, observava o cenário com um misto de desdém e desilusão.

O velho entrou no bar com uma energia estranha para alguém de sua idade. Era um homem baixo, com cabelos brancos desgrenhados e uma expressão que misturava esperteza e uma ponta de malícia. Vestia uma camisa de flanela, aberta, revelando um peito de pelos grisalhos. Ele se dirigiu ao balcão com uma confiança que parecia deslocada em um lugar tão triste.

“Que porra é essa? Outro bêbado com histórias ruins?” Anderson resmungou para si mesmo enquanto o velho se sentava ao seu lado.

O velho olhou para ele e sorriu, revelando dentes amarelados. “Pelo visto, você é o residente oficial deste buraco.” Sua voz tinha uma entonação suave, quase musical, contrastando com o ambiente áspero.

Anderson fez um gesto com a mão para a garrafa de cachaça que estava ao seu lado. “Quer beber?”

“Claro, por que não?”, o velho aceitou com um brilho nos olhos. “Afinal, estou aqui para fazer amigos.”

A cachaça desceu pelos dois gargalos, e um silêncio confortável se instalou entre eles, interrompido apenas por alguns ruídos das ratazanas que passeavam pelo lugar infecto. Anderson observava o velho com curiosidade, o que não era comum para ele, que preferia a solidão.

“Então,” começou o velho, “você deve ter visto muitas coisas, não é?”

Anderson soltou uma risada seca. “Vivi o suficiente para saber que não há nada de novo sob o sol. O mesmo jogo, as mesmas pessoas. Apenas a música muda.”

“O que te trouxe aqui?” O velho perguntou, tomando um gole da bebida. Seus olhos pareciam prontos para ouvir uma história épica, como se estivesse aguardando por um conto épico de alguém que já havia passado por tudo.

Anderson olhou para o fundo do copo, contemplando as sombras dançantes do líquido. “Cerveja barata, mulheres erradas e palavras que nunca vão se transformar em algo útil. Isso sempre me trouxe aqui.”

“Eu entendo. Eu também estive nos mesmos bares, atrás das mesmas bebidas. A diferença é que eu não apenas bebi, eu usei as mulheres como combustível para meus próprios demônios.”

 

Anderson ergueu uma sobrancelha. “Você ainda está atrás de mulheres?”

“Ah, meu amigo, mulheres e álcool são como o ar que respiro. Mas não são apenas sobre prazer. São o reflexo de uma vida que nunca quis ser entediante.”

“É,” Anderson murmurou. “As mulheres são complicadas. A vida é mais complicada.”

O velho sorriu com uma expressão que misturava nostalgia e ironia. “Eu tive minhas épocas de glória. Histórias para contar, memórias para recordar. Mas no fim, você percebe que as mulheres eram apenas uma parte do quebra-cabeça. Elas me ajudaram a ver o mundo através de uma lente diferente, mas o verdadeiro entendimento vem da solidão e da bebida.”

“Você ainda se sente solitário?” Anderson perguntou, com um tom que revelava uma ponta de interesse genuíno.

“Sim,” respondeu o velho, olhando para o vazio. “Mas não é uma solidão triste. É uma solidão que vem com a sabedoria de saber que a companhia, quando vem, é apenas uma distração temporária.”

O bar estava quieto, exceto pelo som do vidro sendo colocado no balcão e as conversas abafadas. Anderson e o velho continuaram conversando, suas histórias se entrelaçando, revelando um panorama sombrio e irônico da vida. Era um diálogo entre duas almas desgastadas, tentando encontrar sentido no caos do mundo e das suas próprias vidas.

No final, quando as garrafas estavam vazias e o relógio marcava a hora da madrugada, o velho levantou-se para partir. Anderson acenou com a cabeça, um reconhecimento silencioso da conexão inesperada.

“Até a próxima, velho,” Anderson disse, com um meio sorriso.

O velho sorriu de volta, e com um último olhar para Anderson, saiu para a noite, desaparecendo nas sombras da cidade.

Anderson ficou ali, sozinho mais uma vez, mas com uma sensação estranha de que havia encontrado um reflexo de sua própria jornada em um velho safado que, como ele, havia dançado com o caos e a solidão.

 

Cauby Fernandes é contista, cronista, desenhista e acadêmico de História

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