“Far beyond the Sunrise and the sunset rises…”
Swinburne
Para as almas do Purgatório
Vou toda semana ao cemitério. Visito e rezo pelos mortos queridos; familiares, amigos, especialmente um amigo morto há três anos e dois meses, o velho irmão Airton. In Pace Requiescant!
Naturalmente, ao longo de tantos anos de visitas – eu próprio já sou tão ou mais velho do que muitas daquelas tumbas – tenho presenciado muitos sepultamentos. Rezo por aquelas almas desconhecidas cujos restos materiais vêm ser depositados oportunamente no momento de minhas idas ao Sagrado Campo.
Enquanto estou a rezar, tenho quase sempre os mesmos pensamentos. Nada do que é mundano, nada do que exige pressa ou importância secular tem sentido ali. As inquietações da vida desaceleram; calam-se os impertinentes relógios.
Então, devotadamente, recordo uma lenda do folclore europeu medieval. Acreditava-se que quando um corpo adentrava o cemitério para ser sepultando, naquela mesma noite, após os últimos sinos soarem, aquela alma recém-chegada iria buscar água para aplacar a sede e as torturas das outras almas dali que padeciam no Purgatório.
Eu imaginava a piedosa cena. Aquele enterro que eu presenciara. Na tardia noite escura, depois do toque dos sinos, todas as almas à espera da abençoada água que aquela alma novata traria…
É poética a lenda. É cristã; eivada de imensa caridade. Imagino os arrogantes, os soberbos, os pretensiosos sendo obrigados a servir a água para os humildes naquela hora extrema!
Todas as almas se igualam naquela fila de espera. Talvez anseiem que logo venha um outro esquife para amenizar tamanha sede e torturas. Dar a sancta aqua para as pobres almas é nobre e é bom.
Tenhamos, bom leitor, a alma preparada. Rezemos sempre. Afinal, não sabemos uando iremos servir ou receber a água das almas!
Professor Doutor Everton Alencar
Professor de Latim da Universidade Estadual do Ceará (UECE-FECLI)
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