O isolamento social continua e os rostos, aos poucos, eles se vão apagando das nossas memórias. Talvez ainda nos pareçam familiares os semblantes dos mais íntimos. Fora isso, essa é a impressão que tenho, vemos sorrisos, sem máscaras, apenas em fotos de recordações – o que não faltam nas redes sociais.
De repente, o “a máscara caiu” virou fetiche. Vemos pessoas caminhando que cruzam nossos caminhos normalmente apressadas e, instintivamente, desejamos: “Ah se essa máscara caísse!”. A persona, em sua etimologia primária grega, adquiriu ressignificação – continua um desejo, mas se tornou uma descoberta necessária e física, não mais um descortinamento do caráter desvirtuado em sua gênese, eivado de decepções. Não seria também a máscara do palhaço, encobrindo o lúdico personagem que nos enfeitou a infância e se distancia das nossas crianças cibernéticas, trancafiadas não em razão dos jogos eletrônicos do período de férias. Agora, a permanência é uma imposição necessária e urgente. Fique onde quiser, desde que esteja em casa!
Passado o pânico inicial, que ainda permanece entre milhões de seres amedrontados e nos transformará definitivamente, enquanto civilização, nós nos mimetizamos em máscaras que combinam com as roupas, com o nosso estado momentâneo de espírito; que estampam, na cara dos outros, o time pelo qual torcemos, nosso local de trabalho, o santo preferido. Normalmente, são expressões tensas, cheias de dúvidas, angústias e incertezas. Há um espectro rondando o planeta e nossas consciências.
Hoje, enquanto aguardava atendimento numa das enormes filas que contrariam a tese do isolamento e distanciamento sociais, percebi a fluência do borrifador. Discretamente, temendo ser taxado de observador inoportuno, detive-me a outro fetiche: mãos. Enquanto o rapaz do comércio esmerava-se em seu novo mister, surgiam mãos enrugadas, calejadas; mãos que denunciavam idades, sofrimentos e as marcas do tempo, em obtusas descrições que as cartomantes sentenciariam, entre promessas de amores e de futuros promissores que se tornam distantes e inócuos, ante tamanho sofrimento atual.
Numa espécie de ritual eucarístico, perdoem-me possível blasfêmia, as mãos se prostravam, resignadas, implorando pelo vinho branco que as purificaria do mal invisível. O que diriam as bruxas da Idade Média? Seriam perdoadas diante da alquimia experimental do Século XXI?
A magia se reveste de modernidade. Máscaras, mãos e incertezas continuam povoando o imaginário das civilizações… Entretanto, a imagem que levarei da espera na fila é a de duas mãos suaves, ingênuas e cheias de esperança, de uma linda senhorita. Nas unhas, esmalte rosa, encantador. Nos olhos azuis, o furor da idade. Lamentei mais uma máscara que não caiu, é verdade, mas o que seria da vida sem as dúvidas que nos impulsionam?
Mãos vazias, cheio de curiosidades, paguei meu boleto e saí, mascarado e pecador.
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