Um espectro ronda a Europa – o espectro do comunismo. Todas as potências da velha Europa unem-se numa Santa Aliança para conjugá-lo: o papa e o czar, Metternich e Guizot, os radicais da França e os policiais da Alemanha.
Qual partido de oposição não foi acusado de comunista pelos seus adversários no poder? Que partido de oposição, por sua vez, não lançou aos seus adversários de direita ou de esquerda a alcunha infamante de comunista?
Os parágrafos acima não foram escritos por mim. Eles iniciam de forma arrebatadora o “Manifesto do Partido Comunista”, de Karl Marx e Friedrich Engels, publicado em 1848. Reproduzo-os intencionalmente, assim, sem aspas, para discorrer sobre o uso da velha pecha pela extrema direita no Brasil, 175 anos desde que foram escritos e divulgados como uma bomba na Inglaterra.
Naquela época, o continente europeu vivia grandes conflitos. As lutas entre os proprietários dos meios de produção e os trabalhadores atingiam níveis de tensão insuportável. Pela primeira vez, de forma assim clara e objetiva (e extremamente bem escrita), os abismos sociais eram tratados com pretensão científica, e nascia, no contexto de uma Europa em crise, a utopia de uma sociedade menos injusta e desigual.
Repensava-se a luta de classes.
Com o “Manifesto Comunista”, Marx e Engels denunciavam de forma intelectualmente explosiva a exploração do proletariado pela burguesia – e dava-se a ler o mais importante tratado político jamais escrito.
Em essência, o texto propugnava a possibilidade de existência de um modelo de sociedade em que todos tivessem acesso a uma vida decente. O documento termina conclamando a união dos explorados e oprimidos: “Trabalhadores do mundo, uni-vos, vós não tendes nada a perder a não ser vossos grilhões”.
Se é verdade que o ideário marxiano foi muitas vezes usado à revelia do que propõe, de que o stalinismo é o exemplo mais inconteste, não é menos verdade que permanecem válidas suas diretrizes, e que sejam os mesmos os mecanismos de exploração denunciados 175 anos atrás.
Somente num país atrasado intelectualmente, e no qual se explora a ignorância dos outros como forma de obter dividendos políticos inconfessáveis, é comum que se use vulgarmente a palavra “comunista” como sinônimo do que não presta, do que em si representa o mal para a sociedade. Somente num país como o Brasil, em que se lê mal e se lê tão pouco (e onde deseja imperar a desfaçatez), é comum assistir-se ao triste espetáculo de ontem, no Senado Federal, ao final dos trabalhos da CPMI do 8/1, onde a palavra “comunista”, proferida por gente iletrada e sem escrúpulos, ecoou por corredores e salões, insurgindo-se, à maneira dos moleques, contra o histórico relatório da senadora Eliziane Gama (PSD-MA) em defesa da democracia e do Estado democrático de Direito no Brasil.
Há poucos anos, em Berlim, hospedado nas proximidades da Avenida Karl Marx, em que o busto do intelectual alemão, altaneiro e belo, sobressai em meio a automóveis, ônibus e caminhões, vi pessoas colocarem ao pé do monumento arranjos de flores, num gesto que soube recorrente em plena Alexanderplatz. Para um povo bem-informado e culto, ser comunista é uma forma de pensar.
Assim, como tantas outras.
Álder Teixeira é Mestre em literatura Brasileira e Doutor em Artes pela Universidade Federal de Minas Gerais
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