Em inícios de fevereiro, este colunista dizia aqui neste espaço: “No Brasil, na contramão das evidências de que seremos frontalmente atingidos (o número mais que dobrou em 24 horas), a irresponsabilidade de um presidente louco tenta manter a população indiferente à necessidade urgente de medidas que possam atenuar as consequências previsíveis de um surto já desencadeado.”
Depois de ecoar o pensamento de profissionais da área médica e pesquisadores de outras áreas, também eles preocupados com a tragédia anunciada a partir do que se via em países da Europa, evidenciando a difícil realidade de nossa estrutura hospitalar, reportei-me ao fato de que medidas de confinamento imediato poderiam evitar a disseminação incontrolável da pandemia, bem na linha do que faziam países pobres antevendo suas dificuldades futuras.
Concluímos o texto da aludida coluna com o seguinte comentário: “O que era ruim, num país devastado pela desfaçatez, incompetência e obscurantismo dos que o governam, como jamais se pôde ver em toda a história da República, caminha [o Brasil] a passos largos para o abismo mais profundo.”
Não faltaram, à época, por e-mail e WhatsApp, comentários não raro duros ao teor da coluna, mesmo quando vindos daqueles que reconheciam a complexidade do problema.
Criticaram, alguns com incontido entusiasmo, o fato de que o meu texto feria o princípio da neutralidade (sic) por que se devem orientar os articulistas de jornal, dando a ver subjetividades e opiniões políticas indisfarçáveis.
Esqueciam que essa neutralidade é impossível em termos jornalísticos e de quaisquer outras produções intelectuais, mesmo as mais elementares, como é próprio de crônicas semanais de um blog como o meu.
Hoje, algo em torno dos cem dias desde o primeiro caso diagnosticado no país, contados em rigor na quinta-feira, 4, o que viria a ser descrita pelo presidente Jair Bolsonaro como “gripezinha” passou a matar um cidadão ou cidadã brasileiros por minuto.
Não, você não leu incorretamente o que aqui vai escrito: enquanto você lê este parágrafo do meu texto, uma pessoa morreu no Brasil vítima do coronavírus.
O mais trágico, o derradeiro passo em direção ao abismo a que me referi na coluna de fevereiro, é que, segundo infectologistas e outros profissionais dedicados a analisar a pandemia entre nós, o pico do número de mortos, o pior, portanto, ainda está por vir.
O Brasil tem hoje mais de 35 mil mortos, abaixo apenas do Reino Unido e dos Estados Unidos.
Profundamente entristecido com a confirmação do que esta coluna afirmava em 25 de fevereiro de 2020, relembro, contrito, um certo Machado de Assis: “Que a terra lhes seja leve.”
Álder Teixeira é Mestre em literatura Brasileira e Doutor em Artes pela Universidade Federal de Minas Gerais
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