Delicadamente, ela subia a rua que dava para o mercado. Levava consigo uma sacola amarela nas mãos e os óculos enormes na face. Com fones de ouvido, cantarolava ao ritmo dos seus passos leves e sem pressa – coisa rara não ter pressa nesse mundo de hoje.
Alguns passos a mais ela, por fim, sentou-se no banco de uma praça velha e carcomida. Olhou as horas e para os lados. Checou as mensagens no seu celular e voltou a olhar para os lados – esperava alguém, isso me pareceu óbvio -, como a aguardar a chegada de um ônibus.
Recapitulando: Mulata alta, bonita, perfumada, bem vestida e só… Claro – pensei – não tardaria, um jovem bem aparentado, em questão de segundos, se faria presente àquela velha praça onde a única coisa de valor contida, naquele instante, era tão-somente a bela e apetecível jovem.
Enquanto consertava minha parabólica do alto desse prédio, sem por ela ser notado, deixei cair a minha chave inglesa. Nisso, fui descoberto! Ela me sorriu, ou riu de mim, não sei ao certo. Desci com a finalidade de recuperar a maldita chave inglesa que caíra da minha mão decrepita pelos anos de serviço braçal.
Foi na descida e aproximação que tive a infeliz certeza do arrependimento, pois reconheci a mulher bela e charmosa: Minha ex-mulher! Meu Deus! Como ela estava linda. Nem parecia ter sofrido tanto na vida pela nossa filha falecida, pelos os meus sumiços em terras distantes, com o assassinato do irmão e pai (vítimas de uma emboscada).
Não contive a curiosidade e indelicadeza quando indaguei, estupidamente, sobre a razão de sua localização insólita naquela praça medonha e sem vida verde. A resposta me veio tal qual um bofetão de mulher traída: ”Vim viver, Kelvin, Vim viver!”’
– Mas aqui não há vida, Beatriz. A quem você espera? – Mais uma vez indaguei, como típico idiota que sempre fui e, como podem ver, continuo sendo.
– Preocupe-se com a sua antena. Vai precisar dela, pois é a sua maneira mais próxima de ver uma mulher, ao menos de biquini. Sem internet, sem ‘redtube’, meu querido Kelvin! – ironizou magistralmente (pra eufemizar a crueldade com que aquelas palavras de humor negro penetraram meu coração solitário)
Enquanto ingeria em seco aquelas palavras, uma por uma, veio, repentinamente, uma voz masculina em cumprimento: ”Boa tarde!”
Era um sujeito forte, que nem de longe lembrava o meu corpo cheio de cicatrizes, barrigão de cerveja e fronte sem repouso capilar. Aparentava ser bem mais novo do que eu. Beatriz – aparentando vergonha de mim e embaraço pela situação – sequer apresentou-nos.
Subiram rapidamente em uma moto de alta potência e saíram sorrindo para a vida e, desta vez, tenho certeza, rindo de mim.
Eu também subi…Não em uma moto, mas no prédio… Não quero perder a chance de assistir garotas de biquini. Beatriz estava certa quanto a isto.
Enquanto consertava a antena, na rádio uma música impertinente me dizia: ”Ah! na vida a gente tem que entender, que um nasce pra sofrer enquanto o outro rir…”
– Cala a boca, Tim Maia!!! – gritei para ninguém.
Cauby Fernandes é contista, cronista, desenhista e acadêmico de História
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