Belchior, três anos depois…

29/02/2020

Américo Neto*

Após três anos da morte física de Belchior, qualquer fã das composições do poeta sobralense, inevitavelmente, lembraria nostalgicamente essa data, não sou diferente, posto que também fã…

Uma época essencialmente estranha, Ernesto Che Guevara em seu diário de viagem que fez pela imensa América Latina reportou-se em seu texto, especificamente no último capítulo, de falar sobre “Este estranho século XX”. ESTRANHO mesmo… Che representa o sonho e a tentativa utópica e prática da união dos povos latinos, nesse seio Belchior também bebeu e mensurou esse sonho, mas… “Mas só falta algum tempo para 1, 9, 8, 4, agora estou em paz, o que eu temia chegou!” (Clamor no Deserto).

A morte física de Belchior não representará a material, poetas sublimes não morrem… Horário, Cervantes, Shakespeare, Dante, Poe e outros tantos… na música não é diferente… pelos trópicos podemos citar… Cartola, Noel, Adoniram Barbosa, Humberto Teixeira, Luiz Gonzaga, Raul Seixas, Renato Russo, Cazuza e Belchior… imortais da Música Popular Brasileira que de fato representaram em suas obras poéticas imagens viscerais da nossa realidade de “Povo marcado, povo feliz…”. Belchior fisicamente se foi… e aí? E aí, caros amigos, tempos negros nos cercam… poeticamente estamos ficando órfãos.

A música do nosso país reflete uma realidade dantesca… realidade essa que representa o ideário de uma nação que de forma servil e até protestando perde seus direitos trabalhistas, sociais, conquistados a duras penas por muitos outros grandes brasileiros do início do século XX. Assistimos apáticos a tais momentos… perda de democracia, conflitos entre iguais, oprimidos mais oprimidos, mas parece que o vate de Sobral tudo visualizou… “A vida realmente é diferente quer dizer… ao vivo é muito pior…” (Apenas um rapaz latino americano).

Tempos negros nos cercam, a música com prazo de validade de uma semana, “que tiro foi esse”, de fato cumpre a função do entretenimento, da semana do carnaval, mas jamais do sublime,

“Eu não vou querer… / O amor somente é tão banal. / Busco a paixão fundamental, / Edípica e vulgar, / De inventar meu próprio ser.” (Brasileiramente linda)

Belchior há três anos se retirou fisicamente, mas há anos havia saído dessa mídia, perdão, mas tenho que dizer, “escrota”, alienável, preconceituosa, aproveitadora, que muitas das vezes quando usa até as minorias, usa para se promover e passar uma imagem de não elitista; Belchior foi sem dúvidas um poeta de alta percepção política, analista, cronista de uma realidade cruel e sem escape para a imensa maioria dos farrapos da guerrilha pós-moderna – os trabalhadores terceirizados – como nos deixou em: “Todo mundo sabe/todo mundo vê / Que tenho sido amigo da ralé da minha rua / Que bebe pra esquecer que a gente / É fraca / É pobre / É vil / Que dorme sob as luzes da avenida / É humilhada e ofendida pelas grandezas do Brasil / Que joga uma miséria na esportiva / Só pensando em voltar viva / Pro sertão de onde saiu” (Monólogo das Grandezas do Brasil).

Poetas como Belchior em sua materialidade artística são sublimes… e assim como os citados acima, atemporais…

Quis o destino, que há três anos (abril de 2017) esse artista mais do que necessário à Arte nos deixasse, essa fuga para o destino inevitável de todos os homens nos deixa, pelo menos foi o sentimento dos meus primeiros momentos ao despertar dessa manhã… quando fisicamente Fagner, Ednardo, Gil, Caetano, Morais Moreira, Amelinha, Elba, Gal, Chico César, Zeca, Djavan nos deixarem fisicamente, o que nos restará do lítero-musical? Dúvidas? Não… tempos negros… “Trá, trá, trá , trá,” , “sabe o que ela quer…. p…. p…. p….”, “Eu, tu, nóis bota nela….” – o pior não é só a ausência física de grandes intérpretes e letrista… a cultura de um povo representa seu estado de espírito, alguém duvida de que estamos falidos? Belchior… sonho alado… poeta das noites regadas a um bom vinho… sentimento de toda a minha perversa juventude olhando com os olhos cheios de fome para um cenário de um povo, nós, marcados e sofridos, um imenso galpão das emoções humanas, a folia do povo na democracia, outubro de 2002, um do povo, nordestino, na Presidência da República! É… Belchior… sinfronicamente não posso negar… você falou tudo aquilo que eu queria e não sabia…

“Cai o Muro de Berlim – cai sobre ti, sobre mim / nova ordem mundial /Camisa-de-força-de-Vênus / Ah! quem compraria, ao menos, o velho gozo animal?” (Bahiuno).

Tempos negros… “Eu quero que esse canto torto, feito faca, corte a carne de vocês…” (A palo seco), o poeta vive… vive em mim, em você, aliás, querem boas e sublimes ideias, atenção jovens estudantes, querem escrever bem? Leiam as canções de Belchior! Cuidado! “O ministério do controle mental” adverte! Vicia e te faz pensar! Tempos negros…. Por que os grandes nordestinos não aparecem na mídia com tanta frequência? Estou devaneando…. Belchior… és o maior poeta da MPB, não peço desculpas… Belchior “vive” e serás lembrado pelos homens e mulheres de alma apaixonada! Belchior, em 2004 te ouvi, bardo sobralense, pela primeira vez… “Foi você, quem me deu a ideia, de uma nova consciência e juventude…” (Como nossos pais). Foi você Belchior, foi você…. Sentimentalmente és o meu poeta, eu sinto as tuas músicas e és de fato o meu livro de cabeceira quando o assunto é poesia… Uma professora me falou de você em 2005, em 2004 você fez um show em Iguatu-CE, não fui… mas uma nova consciência oriunda de suas imortais imagens poéticas brotou…

“Um dia você me falou, em Andaluzia e em Valladolid / Granada fica além do mar, na Espanha / Molhou em meu vinho seu pão / E também me falou em coisas do Brasil / O FMI, Tom, poeta tombado na guerra civil ” (E que tudo mais vá para o céu).

Um sentimento nostálgico nos consome… Uma democracia esfolada, um processo de idiotização acelerado, produção em série de abominações midiáticas…. Até o nosso querido futebol que em 1970, na minha opinião, mostrou ao mundo a melhor seleção do futebol mundial até agora, estar em uma lama de corrupção… A política! Vixe! Desisto… vou aqui escutar uma canção de Belchior… um trecho pra vocês:

“Presentemente eu posso me considerar um sujeito de sorte / Porque apesar de muito moço me sinto são e salvo e forte / E tenho comigo pensado deus é brasileiro e anda do meu lado / E assim já não posso sofrer no ano passado / Tenho sangrado demais, tenho chorado pra cachorro / Ano passado eu morri mas esse ano eu não morro / Ano passado eu morri mas esse ano eu não morro / Ano passado eu morri mas esse ano eu não morro” (Sujeito de sorte).

Ainda bem! Belchior! Esse ano você vive em nossas mentes, corações e sonhos alados de uma América Latina unida!

Viva a Belchior!

*Apenas um rapaz latino americano, mais um…

MAIS Notícias
O Mestre Sala dos Mares
O Mestre Sala dos Mares

  Até 1910, mesmo depois da abolição da escravidão no Brasil, em 1888, a Marinha brasileira ainda castigava seus marinheiros negros fisicamente, com chibatadas. Em determinada ocasião, os marinheiros brasileiros foram à Inglaterra para aprender a tripular novos...

Mudanças no financiamento de imóveis dificultam aquisição
Mudanças no financiamento de imóveis dificultam aquisição

A partir de 1º de novembro, os mutuários que financiarem imóveis pela Caixa Econômica Federal terão de pagar entrada maior e financiar um percentual mais baixo do imóvel. O banco aumentou as restrições para a concessão de crédito para imóveis pelo Sistema Brasileiro...

0 comentários

Enviar um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *