Cleilson Queiroz*
Sempre quando assisto a um espetáculo teatral, me pergunto: por que montar este trabalho específico? Quais as motivações de narrar esta história e não outra? E principalmente: O que faz com que uma história seja tão importante, a ponto de ser homenageada pela arte teatral?
O espetáculo Neci me ajuda a responder estas três perguntas. Com a belíssima atuação de Betânia Lopes, a ótima dramaturgia de Aldenir Martins e a precisa direção de José Filho, o espetáculo surge de uma pesquisa baseada na oralidade, onde a atriz buscou histórias verídicas e encontrou as narrativas, causos e vivências de Neci, uma senhora na melhor idade que vive na cidade de Quixelô, sítio Barroso.
Ser somente uma senhora da zona rural, não legitimaria ao meu ver, a potência das narrativas de Neci para a cena teatral. No entanto, algumas características a individualizam: o fato de ser uma mulher na melhor idade solteira e independente, a facilidade de falar abertamente sobre sua sexualidade e principalmente a sua leitura e compreensão da política brasileira, mesmo tendo estudado pouco. Neci poderia facilmente ser considerada uma professora da vida, do cotidiano e da leveza com a qual poderíamos trabalhar os nossos sentimentos. A sua experiência de vida ensina.
Betania Lopes é uma atriz sagaz, pois consegue ter muita competência na observação e no trabalho de composição, competência esta raramente vista. Betania não somente interpreta Neci, mas acrescenta camadas de emoção e comicidade, colorindo e dando vida ao espaço cênico, o espaço mágico do qual não conseguimos desgrudar os olhos. A complexidade da cena é também merecedora de atenção, pois a atriz demonstra como as ações físicas do espetáculo podem dialogar intimamente com as emoções da personagem, conseguindo cozinhar em cena, preparando bolos e um café para servir à plateia, um ato extremamente complexo de se fazer no teatro, mas muito bem executado pela atriz.
O texto de Aldenir Martins pode ser considerado uma aula de produção dramatúrgica, pois a autora consegue administrar com maestria a junção entre comédia e posicionamentos políticos diante da vida a partir dos depoimentos e histórias de Neci, comprovando que o entretenimento e a comicidade também podem ser políticos como bem colocava o dramaturgo e encenador Bertolt Brecht. O desencadeamento de falas e emoções é também estruturado e dinâmico, com vários picos de emoção justapostos aos defeitos, qualidades, prazeres e desprazeres da personagem Neci.
A direção de José Filho é precisa e com marcações objetivas. Ele opta por um espaço que parece cômodo ao olhar do espectador, que é a cozinha da casa de Neci, mas que na verdade é um espaço difícil de se lidar, pois é repleto de utensílios e ações cênicas para que a atriz desenvolva, o que aprofunda a pesquisa e engrandece o espetáculo. A naturalidade com que o diretor conduziu é tamanha, que a sensação é de que parece ser fácil interpretar e cozinhar ao mesmo tempo. Dentro de uma cozinha, o diretor consegue dar vida a cenas poéticas e sensíveis, pontuando o ritmo necessário de comicidade.
Esteticamente o espetáculo opta por uma paleta de cores complementares bem pensada, agradando a visão do espectador. Compõe-se então a bela imagem de uma senhora cozinhando em cena enquanto as palavras deslizam com a interpretação da atriz.
Eu sintetizaria a peça Neci como um suspiro cênico para a cidade de Iguatu. Aquele suspiro esperançoso de melhores ventos para as artes cênicas da região. A sensação é a mesma que sentimos quando sentamos na cadeira de balanço à noitinha para esperar o Aracati, sensação esta cada vez mais rara para os profissionais da arte e cultura da região e do país. O monólogo Neci inaugura um novo momento no teatro iguatuense. Um retorno ao teatro sério, de pesquisa, de qualidade e que é acima de tudo, um teatro preocupado com as histórias que temos para contar, nossas crenças, costumes e individualidades.
O espetáculo segue em cartaz no novo Galpão da Cia Ortaet de Teatro em parceria como Projeto Arte Criança – PAC, na rua Coronel Mendonça, esquina com Rua Dr. João Pessoa, próximo à praça da matriz. Dias e horários podem ser confirmados nas páginas do grupo no facebook: companhia ortaet e instagran: @ciaortaet.
*Ator, dramaturgo, produtor, crítico de arte, mestre em Artes Cênicas (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – U
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