Quando a vida íntima se negocia e vira fetiche – motivado por fama e dinheiro – e a sacralidade das relações se banaliza, vários outros erros já foram cometidos e diversos valores já se perderam. Não se cogita mais o porquê das facilidades afetivas, do consentimento prematuro dos toques, da promiscuidade travestida de vanguarda. De igual modo, também não nos escandalizam mais as dissonâncias orgânicas do comportamento humano, com tendências animalescas, instintivas. Isso não importa. Afinal, somos livres! Pelo menos para transitar entre pontes aéreas Brasil-França. Somos maiores de idade e podemos, portanto, comprar o prazer ou nos vendermos em nome dele. Se der errado e imprevistos ocorrerem, existe a possibilidade do aborto clandestino… E daí? Somos livres!
Não houve anjos no recente fato de primitivismo carnal que motivou a atenção do mundo inteiro, mas, certamente, há muito pouco de pudor, temperança, respeito – por si e pelo outro; há muita soberba, imaturidade, banalização do amor, exposição gratuita…
Quem somos nós para julgar nesse teatro sem porteiras que se tornou a vida? Estamos apenas diante de mais um episódio da carne pela carne, da cama por fama e das aparências que matam a essência humana. É o teatro da mediocridade que dá prazer, enche as salas da futilidade e faz girar a gigantesca e escorregadia roda que tem se tornado a existência moderna. C’est la mise en scène qui déplace la planète (é a encenação que move o planeta) e não podemos escandalizar-nos, para quê?
Infelizmente, vivemos dos horrores e das toscas manifestações da insignificância deprimente dos nossos falsos ídolos – criados, alimentados e endeusados por um poder silencioso e renitente que mutila inteligências, mas eleva, ao píncaro da fama, quem sabe chutar e bater bem, literalmente. São contravalores que se fortaleceram com a descoberta contraceptiva.
Ao final, no resumo da ópera, ela ganhará algumas capas de revistas adultas, entrevistas exclusivas, e estará quite, pelo menos com as mundanas obrigações. Afinal, os hipócritas querem rever a publicamente execrada “intimidade” da mulher que foi a Paris visitar um “astro”, bateu um bolão e, acredite, virou celebridade! Bastou um episódio e estava consumado. As causas e os efeitos; as razões de tudo ter acontecido… Nada importa, não haverá reflexões. O que conta é o efeito prático: virou notícia, então vale muito a pena conferir e celebrar!
Ele também ganhará mais capas de revistas, espaço privilegiado nos jornais, e o essencial se perderá, posto que também nos perdemos e não sabemos, ou não temos, o que nos é essencial: a capacidade cognitiva aguçada, o bom senso à flor da pele, o poder de refletir amiudado, o discernindo entre o útil e o inútil. O que fizeram com a nossa capacidade de indignação? Não há síntese onde não houve a plenitude dialética. Precisamos apenas seguir, o show deve continuar.
A humanidade está doente, isso é fato! Doente pelo rápido e fácil consumo da podre carne que se fortalece nas esteiras e se liquefaz entre paredes que filmam, declarando trapaças, em reviravoltas teatrais. Doente pela celeridade com que digere e esquece tudo aquilo que comeu – incluindo-se nesse cardápio das carnes vivas um encontro num lugar lindo, que tinha tudo para ter sido inesquecível… Onde tulipas foram devoradas, no lugar dos girassóis, numa noite de completo desamor.
Resta-nos dar a descarga, sem olhar para trás.
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