Patrícia Gomes Sampaio (Advogada)
Era domingo e assistíamos às olimpíadas durante o café da manhã. Simone Biles, ginasta americana, fazia uma apresentação linda e estávamos boquiabertas com seu desempenho. Encantador, como ela fazia aquilo? Força, técnica e um único erro na execução. O placar mostrava que, apesar do deslize, ela seguia em todas as finais da ginástica artística.
Dias após os jornais noticiavam sua desistência.
– Você viu que a Simone Biles desistiu?
– Mas qual é a (atleta) Simone Biles?
– A ginasta americana, que já estava na final.
– O quê?
(…)
A favorita ao prêmio havia desistido e fiquei anestesiada por alguns minutos. Pensei o quanto ela estava sendo corajosa (ao assumir sua vulnerabilidade) e inteligente (por priorizar sua saúde mental). Ao mesmo tempo, lamentei as injustas críticas de quem se afunda no sofá com um telefone na mão. Seriam milhares, milhões, talvez. Em questões de minutos seria bombardeada e não merecia aquilo.
Atletas também se esgotam. Embora haja um preparo anterior às competições, não são robôs. São pessoas que, como nós, chegam, comem, bebem, levantam, dormem, dançam, estudam, se vestem, sentem, cozinham, escrevem, leem, caminham, falam, descansam, aprendem, ensinam, esquecem e encontram.
Quando o corpo cansa, um banho gelado, uma comida quentinha, alguns minutos de TV e boas horas de sono podem compor uma fórmula para relaxar (comigo funciona). Mas quando a mente cansa… a água chicoteia, a comida perde o gosto, a TV não sintoniza e os olhos não fecham. O dia seguinte começa com as olheiras que não deviam estar ali. Com uma cabeça ainda cheia. Com uma palavra que não sai. Com um corpo que trava (é, comigo é assim. Com outras pessoas talvez também seja).
“Preciso focar na minha saúde mental. Temos que proteger nossas mentes e corpos e não apenas sair fazendo o que o mundo quer que a gente faça”. Quando disse essas palavras, Simone girou o cérebro de quem negligencia a própria saúde psicológica, pulou as expectativas alheias, saltou do abismo que estava a poucos metros das sapatilhas. Ao tirar o peso do mundo de suas costas, sim, gerou burburinhos, contudo puxou muitas mochilas pesadas de ombros desconhecidos: o que você faz com o que te esgota?
Comunicar a dor é poderoso. Aliviá-la também é. “Se Simone Biles se permitiu parar, eu também me permito”, alguém pensou. E tomou banho demorado, fez (ou pediu) a comida favorita, viu filme repetido, apagou. Eu desacelero, eu olho para dentro, eu olho para o céu. Respeitar os próprios limites vale ouro na olimpíada que é a vida.
Os atletas sempre foram usados como plano de fundo para mensagens motivacionais porque rompem limites. A pandemia escancarou uma verdade que não vende livros nem cursos: alguns limites estão aí para serem obedecidos.
“Sou mais do que minhas realizações”: Na modalidade bravura, o alto do pódio é da Simone Biles.
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