O amigo leitor se for como eu, que sou avesso às festividades carnavalescas, talvez possa estar pensando sobre o que fazer nesta sazonal época do ano. Bem, para além da ociosidade, da folga do trabalho e estudo, talvez você possa aproveitar melhor o seu tempo nesse período.
Como? Pondo em dias a sua leitura, ou retomar uma atividade artística há muito deixada de lado. Talvez pegar no empoeirado violão; talvez voltar a desenhar ou escrever. Uma hora ou outra, o filho pródigo deve voltar para a sua casa interna. Reconciliar-se com o ‘‘pai-arte’.
Enquanto o Brasil dança, divirta-se em se conhecer, ser você mesmo. Se conheça melhor na sua solidão, na sua própria companhia. Será redentor. Garanto. O mundo é mais claro quando acendemos a luz interna do âmago individual.
Todo carnaval tem seu sim, não é? E o que fica depois da pandega desses dias? A ressaca moral e da bebida? Isso não é interessante, a menos que vivas apenas de momentos curtos de alegrias questionáveis. Pense nisso, preclaro leitor.
Depois da euforia, virão as consequências. Já a arte, a cultura enaltecedora, você talvez presuma, não oferece qualquer perspectiva de arrependimento. Assim penso, assim acredito.
Deixo aqui uma proposta de embriaguez de vinho e de poesia. Espero que lhe inspire. E que se embriague, caro leitor, com o vinho e a escrita. A ressaca da bebida degustada no ostracismo, é sempre melhor do que em meio à multidão.
Embriagai-vos
(Charles Baudelaire – 1821-1867)
Deveis estar sempre embriagados. Aqui reside tudo. É a única questão. Para não sentir o horrível fardo do Tempo que vos esmaga os ombros e vos verga para a terra, é imperativo embriagar-se sem descanso.
Mas de quê? De vinho, de poesia ou de virtude, a vosso gosto. Mas embriagai-vos. E se por acaso, sobre os degraus de um palácio, sobre a relva verde de uma vala, na morna solidão do vosso quarto, acordardes de embriaguez diminuída ou desaparecida, perguntai ao vento, à onda, à estrela, ao pássaro, ao relógio, a tudo o que foge, a tudo o que geme, a tudo o que roda, a tudo o que canta, a tudo o que fala, perguntai que horas são; e o vento, a onda, a estrela, o pássaro, o relógio vos responderão: “É hora de vos embriagardes! Para que não sejais escravos martirizados do Tempo, embriagai-vos; embriagai-vos sem cessar! De vinho, de poesia ou de virtude, a vosso gosto.
Cauby Fernandes é contista, cronista, desenhista e acadêmico de História
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