Conheceram-se no bar, como em todas as grandes amizades. E não demorou para que um reconhecesse no outro, após vencerem a atávica disputa inicial – característica entre os machos – que ali havia um amigo, um companheiro dos bares e da vida.
E foi exatamente no bar que tiveram a conversa que se segue. Talvez a primeira conversa verdadeira em dez anos de amizade.
– Você ainda acredita no amor?
– Acredito quando a gente pode dividi-lo em prestações.
– Como assim?
– Como se sabe, toda paixão tem um prazo de, digamos, dois a três anos, não é mesmo? Se quisermos que dure mais do que isso, é preciso estabelecer um contrato que não poderá ser quebrado, sob pena de pagamento, em dinheiro.
– Isso não se chama casamento? Haha
– Não se não houver testemunhas. Hehe.
– Você é um fanfarrão, cara. Só rindo. E a Roberta? Você uma vez disse que a amou de verdade, esqueceu? Ou já tá muito bêbado…?
– Amei. E você sabe o porquê. Ela, além de linda e falsa magra, sofria de dor na coluna. Não tinha como não amar aquela mulher. Sexo selvagem e Compaixão: amor. Caso isolado.
– Então acha mesmo que em geral tudo é interesse? E nossa amizade, por exemplo, qual interessante haveria nela, uma vez que ganhamos quase o mesmo salário de merda?
– Já que estamos meio bêbados, vou te ser franco. Há muito tempo questiono a amizade entre dois homens héteros adultos. Digo assim porque entre gays a amizade tem lá sua razão de ser. Na Grécia antiga, por exemplo, a amizade entre homens servia para a prática da pederastia. Isso justificava o porquê dois ou mais homens se reuniam em festas etc.
No banquete, de Platão, vemos que toda aquela discussão intelectual era mais para que o erasta (homem mais velho e de posses) pudesse apreciar seu eromeno (moço de beleza e brilho intelectual). Ou seja, havia um interesse homoafetivo naqueles encontros.
– Do que você está falando? Acho que já bebemos muito…
– Tô dizendo que se formos honestos aqui, veremos que estamos entediados com a amizade um do outro há anos.
– Pensei que a gente continuasse amigo porque temos uma visão de mundo parecida, interesses afins etc., e compartilhamos segredos que não ousamos contar a mais ninguém…
– Cara, isso não justifica alguém sair de casa para gastar dinheiro com um camarada do mesmo sexo, só para falar amenidades etc. Antes uma mulher burra que saiba ouvir. Ou uma puta discreta para ouvir mentiras e segredos. Foi Vinicius de Moraes quem difundiu esta mentira: de que ele preferia perder suas amantes a seus amigos. O que a maioria ignora é que ele dizia essas merdas depois de um litro de uísque e um pé na bunda da namorada da vez. O resto é história.
– Então por que, ano após ano, bebemos nos mesmos lugares, frequentamos a casa um do outro e nossas mulheres se fizeram amigas?
– A mesma resposta dos casamentos falidos, meu caro. O desgaste não poderia justificar a ruptura absoluta, então espera-se um estopim para justificar a separação. E alguém sempre espera que o outro quebre suas próprias regras. Nisso, as mulheres sempre são honestas. Assumem que já não estava dando certo, e que a traição do parceiro só pôs o ponto final.
– Se é assim, o que estamos esperando? Que um dê em cima da mulher do outro? Ou que eu ou você espalhe um segredo guardado? Você sabe que eu jamais faria nenhuma dessas coisas…
– Quem sabe? Como nos casamentos fadados ao fracasso, vamos esperar…
Marcos Alexandre: Pai de Edgar, leitor, Professor de literatura e redação, cinéfilo e aspirante a escritor.
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