Chão de Giz – um erro que veio para o bem!

22/02/2025

Kleyton Bandeira Cantor, compositor e pesquisador cultural

Kleyton Bandeira
Cantor, compositor e pesquisador cultural

Quando a gente é jovem, a falta de maturidade faz com que façamos algumas coisas sem pensar direito, e acabamos cometendo alguns erros. E geralmente o jovem quer sentir o gostinho daquela porção mágica do proibido. Mas, como o ditado popular diz que há erros que vêm para o bem, foi exatamente assim que aconteceu com um jovem estudante de medicina em João Pessoa, na Paraíba.

José Ramalho Neto. Isso mesmo, o Zé Ramalho, nos tempos áureos de sua juventude, se envolveu com uma mulher bem mais velha do que ele. Até aí, tudo bem. Acontece que começou a criar caroço nesse angu. A dama era da alta sociedade, e casada com um homem muito importante e poderoso. Para piorar tudo, Zé Ramalho se apaixona perdidamente por essa mulher.

Ela, muito mais experiente do que ele e sabendo que aquela relação não tinha o que dá, decide colocar um ponto final naquela brincadeira, Aí a coisa fica séria. Zé vai parar no fundo do posso, e como o fundo do posso é terra fértil para os poetas, eis que, dessa situação, surge umas das canções mais lindas da história da música popular brasileira: eu tô falando de Chão de Giz.

Há algumas teses sobre o título da canção:

Uns dizem que o Chão de Giz seria como que uma armadilha preparada pelo traído no sentido de que ele espalharia pó de giz pelo piso para pegar o amante por meio de suas pegadas pelo quarto.

Outros falam que Chão de Giz se refere a uma substância misteriosa para retratar o anonimato de sua amada que jamais poderia vir a público.

Há uma terceira linha que defende a tese de que Chão de Giz é um chão composto por algo frágil, fácil de quebrar. Como há rumores de que o nome dessa mulher misteriosa era Giza, essa terceira tese, pra mim, é a mais provável.

Vamos para a análise dessa obra prima.

Na tentativa de justificar para si mesmo que valeria a pena lutar por essa paixão Zé Ramalho, já cansado, dizia: “espalho balas de canhão, é inútil pois existe um grão-vizir”. O grão-vizir, no Império Otomano, era a figura mais poderosa do império, ficando atrás somente do Sultão. Possivelmente a sultana seria a mulher misteriosa. Enfim, era inútil lutar. A violeta velha iria mesmo ficar sem o seu colibri.

E a luta interna que este homem travava: queria usar, quem sabe, uma camisa de forças que o impedisse de ir ao encontro da mulher amada ou uma de vênus (camisinha) para, com essa mulher, fazer amor mais uma vez? Angustiante!

Como essa mulher era da alta sociedade, suas fotografias estavam sempre estampadas nas manchetes populares e o Zé, amiúde (frequentemente), recortava-as num jornal de folha. Com o fim do romance, ele a pinicou e a jogou num pano de guardar confetes. Talvez para alegrar outros em outros carnavais. Quem sabe?

Depois, já decidido que aquela relação não valeria mais nem o prazer do cigarro depois do prazer da carne, Zé Ramalho, demonstrando amor próprio, diz que tá saindo fora: “no mais, estou indo embora”. E diz isso num looping, talvez para não esquecer nunca do que o motivou a tomar essa difícil decisão.

Pois bem…

Sinto saudade do tempo que não economizávamos na atenção das músicas. De quando buscávamos entender, sem pressa, o que estava por trás das canções. Jamais deixarei que a rapidez dos tempos me roube a poesia. Jamais!

Vocês percebem a riqueza que Chão de Giz carrega em si?

Uma linguagem riquíssima cheia de metáforas; uma carga cultural arrebatadora; uma doçura melódica de embriagar; e uma fofoca diga do Nelson Rubens. Gente, isso é maravilhoso!

Chão de Giz é um dos seus maiores clássicos e Zé Ramalho a lançou no ano de 1978, no seu álbum de estreia solo intitulado Zé Ramalho.

Por hoje ficamos por aqui!

Bom fim de semana!

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