Com direito à presença especial na primeira fila de catadoras e catadores de materiais recicláveis que trabalham no lixão de Iguatu, a companhia de teatro Ortaet apresentou no final de semana passado, no Galpao Pac/Ortaet, o experimento cênico “Chorume”, estudo feito pela companhia sobre o impacto do lixão na vida dos moradores e principalmente nas pessoas que tiram o sustento na coleta diária de materiais recicláveis. Um retrato fiel ao consumismo exagerado, a tônica de questões ambientais, a falta concreta de políticas públicas, entre outras ações necessárias que cercam o Lixão da Chapadinha, como é chamado, além também de contar um pouco das histórias das pessoas que fazem essa parte da cidade, que muitas vezes só é lembrada quando a fumaça da queima de material, passa a incomodar outros moradores da cidade.

“É muito gratificante ver isso aqui que foi mostrado porque tudo isso é a pura realidade do nosso dia a dia. Há mais de dois anos, eles passaram lá trabalhando com a gente, conhecendo nossa realidade, nossas histórias, e contaram direitinho. A gente se vê, quando eles estão falando, nos gestos, muito bonito. Viramos atrizes, atores, fotógrafos. Eles fizeram oficinas com a gente. É uma honra enorme. Eles mostraram a nossa realidade para que as pessoas vejam. Foi emocionante. Melhor reconhecimento não há. Estão de parabéns”, comentou Rosimeire Silva, catadora do lixão de Iguatu, há mais de 20 anos, que foi com membros da família e outros catadores e catadoras assistir à peça.

O galpão da Cia, em parceira com Projeto Arte Criança, ficou lotado para as duas sessões realizadas. Mas, logo em breve o público vai ter oportunidade de assistir à apresentação novamente. Quem assistiu ficou encantado com trabalho apresentado pela Cia Ortaet, entre essas a secretária executiva da cultura, Keylane Thurley, “Nesta noite, prestigiamos a segunda noite de estreia do espetáculo “Chorume”, da Cia Ortaet, e venho parabenizar a produção e o elenco pelo alto grau de profissionalismo. Através da pesquisa de qualidade, quanto a retratação do tema e pela atuação de forma espetacular onde ao mesmo tempo que nos tira risos e choros, deixa a todos muita reflexão em relação à realidade dos lixões”.

Sonho antigo

Para os integrantes da companhia teatral, foi uma verdadeira imersão no lixão de Iguatu, que fica localizado no bairro Chapadinha, às margens da CE 282, em uma das entradas da cidade. “A pesquisa nasce a partir da inquietação do grupo em discutir questões sociais que são pertinentes à cidade de Iguatu, mas que também são problemáticas universais. Essa temática do lixão, do descarte do lixo, é uma coisa muito importante. A gente começou a se aprofundar mais, a partir da aprovação do projeto da Escola Porto Iracema das Artes, na qual a gente foi estudante, durante o processo de sete meses, com a tutoria do Marcelo Soler, que é uma das referências do teatro-documentário no Brasil”, contou Aldenir Martins, atriz e presidente da companhia teatral, reforçando que era um sonho antigo do grupo ser contemplado com ações do Porto Iracema.

Inquietação, reflexão

O grupo teve a oportunidade de contar coma tutoria de Marcelo Soler, referência na arte teatral. “A tutoria do Marcelo foi muito importante. Ele conseguiu com a gente mergulhar na pesquisa estética, poética da companhia, porque a oportunidade de trocar experiências com outros grupos, com outras companhias do estado que estavam participando do processo, ter essa tutoria do Marcelo, contribuiu para consolidar essa pesquisa do grupo. Isso fortaleceu ainda mais a pedagogia da cena, que o grupo persegue através de temáticas que possibilitem ao expectador que tem o entretenimento, mas acima de tudo que levem consigo uma inquietação, uma reflexão acerca das questões sociais”, destacou Aldenir, ressaltando a importância da Escola Porto Iracema das Artes. “Um equipamento que é uma referência não só para o Ceará, mas para o Brasil. Muitos são os grupos que tentam entrar para a escola. Foi uma grande satisfação e tem sido um marco, diferencial do que era feito antes, do que temos feito a partir desse momento, dessa possibilidade de ter participado do Laboratório de Criação e Teatro da Escola Porto Iracema das Artes. A participação no laboratório de criação teatral da escola consolidou ainda mais a pesquisa de linguagem da companhia”, disse.

“Chorume” é uma obra é encenada por artistas-pesquisadores, O experimento Chorume.doc foi o primeiro projeto do Laboratório de Teatro a estrear na Mostra de Artes do Porto Iracema. A Cia Ortaet de Teatro teve a oportunidade de apresentar em julho passado no palco principal do Theatro José de Alencar a obra.

Ficha técnica

“Chorume”

Cia Ortaet de Teatro
Direção, dramaturgia e tutoria: Marcelo Soler
Assistência de direção: José Filho
Elenco: Aldenir Martins, Angélica Braga, Betânia Lopes, Carla Rosana, Cleilson Queiroz, Franciélio Silva, José Filho, Marcos Bandeira, Ronayann Lima, Ronald Carvalho.