A primeira apresentação acontece neste final de semana, hoje, sábado, 28, a partir das 19h, no sítio Barroso II, na zona rural de Quixelô. “Neci” é um espetáculo ancorado na oralidade e conta a história de Neci, uma senhora de quase 80 anos, que, ao revirar seu baú de memórias, problematiza questões do presente, entre essas: racismo, empoderamento da pessoa idosa, violência e desrespeito com idoso, machismo e homofobia.
Depois de apresentações em Iguatu, na região do Cariri e até no estado da Paraíba, a Companhia Ortaet de Teatro agora parte com o projeto ‘Neci no meio do mundo’. O espetáculo irá circular em dez comunidades rurais da Região Centro-Sul cearense. Começando pela comunidade de Barroso II, local de nascimento da atriz Betânia Lopes, onde reside a verdadeira Neci. “Se apresentar no terreiro da verdadeira Neci chega a ser emocionante. Neci foi a minha inspiração para compor meu personagem. Apresentar o espetáculo no terreiro da casa dela, pra ela assistir, é sensacional”, contou.
Betânia afirmou que voltar a sua localidade de nascimento, onde passou a infância e adolescência, vai ser emocionante. “Saí da minha comunidade com 18 anos. Jamais imaginaria me tornar uma artista de teatro, vim para Iguatu pra estudar e trabalhar pra ajudar meus pais. Voltar pra casa, se apresentar para pessoas do lugar onde nasci e cresci, é uma alegria imensa. Uma honra, pois estamos levando a arte para comunidades onde ninguém teve a oportunidade de ver um espetáculo de teatro”, ressaltou.
Em Quixelô, o espetáculo vai ser apresentando também no Gaspar, em outra data, além dos sítios Cutia e Santo Antônio, em Acopiara; Suassurana, Canafístula, Retiro e Cardoso em Iguatu; São Pedro em Jucás, e São José em Solonópole. A ideia segundo a companhia em realizar esse projeto itinerante é oportunizar o acesso à cultura, através do teatro. Dentro da programação serão realizados ‘workshops’ sobre o processo de criação e as temáticas discutidas na encenação, tendo como público-alvo pessoas idosas das comunidades assistidas. A ação também é aberta para o público em geral. “Possibilitando, dessa forma, que o público residente nas comunidades rurais contempladas nesse projeto possa praticar a fruição da linguagem artística do teatro”, destacou José Filho, diretor do espetáculo.
Inspiração
O processo de criação do espetáculo se deu a partir de uma pesquisa realizada pela atriz Betânia Lopes, e de conversas com dona Neci, moradora do Barroso II. “Em nossa sociedade, o velho é, quase sempre, associado ao passado, a algo ultrapassado, que já não tem mais valor, não funciona mais e que, de imediato, deve ser substituído ou relegado a um lugar de descarte. Que venha o novo, pois este tem mais vigor, produz mais e com eficácia”, ponderou Filho.
Ainda segundo o diretor do espetáculo, circular pela zona rural sempre foi um grande desejo do coletivo, visto que as políticas públicas, quando existem, estão sempre muito centradas nas sedes dos municípios. Assim como as apresentações artísticas e formativas ficam restritas às cidades. Outro ponto relevante é que permitirá o encontro da personagem Neci com a realidade vivencial que está presente no discurso da encenação. “Esperamos com a realização do projeto possibilitar o acesso das pessoas das comunidades rurais à produção cultural, bem como instigar o debate acerca das questões abordadas pelo discurso da encenação. Esperamos ainda fortalecer a atuação da Cia Ortaet de Teatro junto à comunidade, permitindo, assim, o fortalecimento do fazer artístico e cultural em nosso município e região”.
Para enfatizar essa questão, Filho ressaltou ainda que esse espetáculo permeia o período recente da pandemia da Covid-19. “Não podemos ignorar a discussão que tem ocorrido durante a pandemia do Covid-19, pois todas essas impressões que acabei de mencionar com relação aos idosos vieram à tona nesses últimos dois anos. Desse modo, à velhice, em nosso contexto, não é permitido o pleno exercício do ser e estar no mundo. Nesse sentido, Neci transcende tais condicionamentos, visto que vive intensamente a sua vontade de ser. Neci é o que deseja ser e explora lugares até então inusitados. A relação que Neci estabelece com a velhice não é de aprisionamento, mas de total liberdade para experimentar as descobertas que essa etapa da vida lhe propõe, sem culpas, sem medos, sem ansiedades e sem enxergar o mundo com olhar conservador e/ou acusador. Neci transgride o status-quo operante em nossa sociedade tensionado a partir do discurso presente na encenação”, complementou.
O projeto se reveste de grande relevância para cultura do estado uma vez que permitirá que uma política pública, que é o Edital das Artes, possa contemplar e beneficiar não só a Cia Ortaet de Teatro e seus integrantes envolvidos diretamente no projeto, mas também aos moradores das dez comunidades rurais, que poderão ter acesso ao teatro. Permitirá ainda o fortalecimento do coletivo que já vem atuando há 23 anos na cidade de Iguatu e Região Centro-Sul, permitindo que o coletivo possa levar o espetáculo para outros lugares, atingindo um público ainda maior que aquele restrito a cidade de Iguatu, consolidando ainda mais a identidade de grupo junto aos seus integrantes.
Fortalecimento cultural
Outro ponto importante é que o projeto vai subsidiar de forma financeira as pessoas envolvidas, valorizando, dessa forma os trabalhadores da cultura que fazem parte do espetáculo, pois foi pensado e proposto como forma de permitir ao coletivo consolidar suas ações na cena cultural do município e região, contribuir com o fortalecimento cultural da região, em especial o teatro e possibilitar que o espetáculo possa atingir um número ainda maior de pessoas, nesse caso em especial levando a zona rural onde as políticas culturais muitas vezes não atingem. Valoriza ainda o trabalho desenvolvido pelos artistas envolvidos no projeto, bem como as demais pessoas que prestarão serviço ao projeto. “Estou em estado de expectativa. Neci é ousada e provocativa, e, chegar ao terreiro das comunidades rurais ao mesmo tempo que é desafiador pelo desnudar de determinados tabus, com é o caso da sexualidade apresentada no texto. Mas também é prazeroso pelo contato que teremos com pessoas, e para as pessoas que respiram a cultura vivida por Neci na cena”, destacou Aldenir Martins, dramaturga, que ressaltou as questões de gênero que atravessam a dramaturgia de Neci.
“E poder compartilhar nossas observações desse lugar não só de uma pesquisa, mas de situações vividas por nós, mulheres dessa produção, legítima do quanto o teatro é potente nos processos de formação, é significativo também poder estar aberta a ouvir outras narrativas vindo delas, tão importantes quanto as apresentadas no espetáculo”, completou Aldenir, fazendo um convite para as pessoas prestigiarem as apresentações.
O projeto da companhia Ortaet de Teatro conta com o apoio e parcerias do Sistema Fecomércio, através do SESC, Projeto Arte Criança, e Secretaria de Cultura do Estado.
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