Paulo Cesar Barreto
Arquiteto e Urbanista
O Padre Antônio Vieira, admirável por empregar o dom de sua aguçada oratória em defesa e valorização dos jumentos sertanejos, um exemplo de sublimação ao que praticava São Francisco de Assis, escreveu em seu livro “Sertão Brabo” (1968) que ao passar por Iguatu por trem, o viajante, mesmo o mais errante, percebia uma considerável diferença entre as duas partes da cidade que a linha férrea* dividia em áreas quase simétricas. De um lado, os casebres onde moravam os operários que moviam a pujante economia algodoeira local, vaqueiros com seus currais precários, as bodeguinhas minimalistas, o meretrício, o cemitério, as ruas de terra batida e poeirentas. Do outro lado ficava a cidade estruturada, o comércio, as praças com seus jardins vistosos, os empregos mais cobiçados, os calçamentos de paralelepípedos, os bancos, o grupo escolar e as famílias mais abastadas. Nesta última parte ficava a “Rua dos Bancários” (trecho da rua Deocleciano Bezerra entre a Rua Eduardo Lavor e a Rua Monsenhor Coelho – Bairro Centro, onde um conjunto de casas se destacavam por seu refinado padrão que esbanjava glamour e representava um velado desejo de consumo de grande parte dos iguatuenses.
O tempo também deixa marcas indesejáveis nas cidades. E no Centro quando tudo começou, Iguatu apresenta diversos logradouros, equipamentos e imóveis privados ou públicos que passam por esvaziamento funcional, degradação de infraestrutura urbana adjacente, ociosidade.
Existe um pensar urbanístico que se fortalece nos investimentos imobiliário e no planejamento administrativo das cidades e já prevalecente em grandes centros urbanos que é preciso e vantajoso estimular, revitalizar e adensar, até com moradias populares e acessíveis, estes espaços urbanos em franca decadência aproveitando sua história e localização privilegiada. Criar novas funções e usos, requalificar através de incentivos fiscais, financeiros, tecnológicos e criativos projetos as intervenções mais viáveis e sustentáveis nestas áreas.
Em Iguatu, embora em outro contexto econômico e político, temos bons exemplos de reaproveitamento e readequação de edifícios que se encontravam em estado falimentar e ganharam nova vida, importância e engajamento social: o antigo Hotel Ferroviário onde hoje está o SESC, as instalações da usina CICA hoje o SEBRAE, o Cine Alvorada onde está o CDL e mais recentemente o Hospital Santo Antônio dos Pobres, que após revitalização, serve como centro gerencial da saúde na região Centro-Sul do Ceará e as instalações da Usina CIDAO, símbolo de grandeza e da própria razão de ser do Município por mais de um século no beneficiamento do algodão, que se transformou em um moderno e espaçoso centro de ensino superior estadual onde, em sua intervenção, se respeitou as linhas mestras de sua arquitetura fabril do início do século XX.
Hoje nos deparamos com várias situações no Centro de Iguatu que podem representar novas oportunidades de transformação urbana na perspectiva de democratização e qualificação do uso destes espaços e equipamentos públicos ou particulares, pois aí existe a melhor estruturação urbana com o objetivo precípuo de aproximar, integrar e melhorar o convívio das pessoas.
Observação: Os trilhos da antiga RFFSA e seu tráfego, embora desativados há anos, ainda hoje, separam as duas zonas de registro imobiliário dos Cartórios do Município. E apresentam uma homogeneização de expansão urbana com disponibilidade de serviços e construções evidenciados em seus índices de desenvolvimento humano e econômico parecidos.
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