Nesta edição, o leitor confere entrevista exclusiva com o premiado cineasta iguatuense César Teixeira, que assinou a produção do filme ‘Pacarrete’, vencedor do tradicional Festival de cinema de Gramado. César faz uma leitura de sua atuação em outros quatro filmes que estarão na Mostra Cine Ceará 2019 (Mostra Ibero Americana de Cinema), e fala de sua maior decepção em não conseguir (por falta de apoio do poder público) dar continuidade à realização da Mostra de Cinema de Iguatu, cuja última edição aconteceu em 2016.
A Praça – Iguatu volta a ser notícia no âmbito do cinema, com a premiação que você conquistou com o filme ‘Pacarrete’, no Festival de Cinema de Gramado. Qual foi sua participação no filme?
César – Eu produzi o filme. Fui convidado pelo diretor Allan Deberton, para que pudéssemos montar equipe, pensar no elenco e todas as demandas que a produção que um longa-metragem exige. Foram dois meses de pré-produção, entre idas e vindas à cidade de Russas e depois, mais um mês de filmagem. Foi um trabalho intenso e cheio de afetos. A equipe estava muito alinhada com o filme, com a história da Pacarrete. Essa premiação é resultado de uma equipe que desde sempre deu o melhor de si para que o trabalho acontecesse da melhor forma coletivamente. Sabíamos que estávamos num projeto muito especial.
A Praça – Como é o tratamento que o filme vem recebendo após a premiação? O que mudou?
César – Desde o dia da sua exibição em Gramado, o filme virou o queridinho do festival, do público. Foi emocionante perceber que, mesmo com as diferenças culturais do Sul do país, o filme foi aclamado de uma maneira incrível. A receptividade do dia da estreia foi algo sensacional, independente de levar prêmios ou não, “Pacarrete” e Marcélia Cartaxo, que faz a personagem título, sairiam dali consagradas. Era essa a minha percepção quando vi o filme estrear em Gramado, um festival que está na quadragésima sétima edição, o mais tradicional do Brasil. Mas fomos surpreendidos com oito prêmios, o que nos deixou radiantes: Melhor Filme, Melhor Filme do Júri Popular, Melhor Diretor, Melhor Roteiro, Melhor Atriz, Melhor Atriz Coadjuvante, Melhor Ator Coadjuvante e Melhor Desenho de Som.
A Praça – Mudou a receptividade do público depois que o filme apareceu na mídia como o grande vencedor do disputado Festival de Gramado?
César – A receptividade continua excelente, as pessoas estão querendo saber mais sobre essa figura excêntrica, humana e artística que era Pacarrete. É emocionante ler os relatos de pessoas que a conheceram. É gratificante ler as críticas dos filmes, o potencial dele em chegar no público. Certamente essa visibilidade traz destaque para o filme, nos projetando nacionalmente. O filme continuará sendo exibido em mostras e festivais de cinema dentro e fora do país até ano que vem e depois estreará no circuito comercial.
A Praça – ‘Pacarrete’, título do filme, é um termo francês, que significa ‘Margarida’. Por que essa escolha?
César – Pacarrete era como ela era conhecida na cidade, e em um dos momentos do filme, ela explica a origem do nome. Ela tinha uma relação muito forte com a cultura francesa e afirmava que “Pacarrete” era margarida em francês.
A Praça – Você ficou surpreso com o número de ‘Kikitos’, ou melhor, de troféus conquistados? Em que categorias o filme foi premiado?
César – Sim, foi surpreendente. O nosso filme era o único nordestino na competitiva. Existiam filmes produzidos pela Globo Filmes e prestigiadas produtoras do país, uma pluralidade enorme cinematográfica. Mas falo, sem demagogia, a receptividade da estreia de Pacarrete foi algo único, aplaudiram o filme na primeira cena e ao final da sessão, por quase cinco minutos. O filme foi realmente ovacionado pelo público naquela noite quando os termômetros marcavam sensação térmica de quase 1° e, ainda assim, foi caloroso demais.
A Praça – ‘Pacarrete’ foi selecionado para o Festival Ibero Americano de Cinema, no caso a 29ª edição do Cine Ceará. Além deste, outros quatro filmes, nos quais você atuou na produção, inclusive fazendo a direção, também foram selecionados. Qual o significado deste feito inédito para você, entrando para a história do festival?
César – Pacarrete encerra o Cine Ceará, numa exibição especial, em casa. Tenho certeza que será uma bela edição do festival, que há vinte nove anos está aí, forte e fundamental para o nosso cinema. Então, além do Pacarrete, tenho outros quatro filmes em que atuei na produção e compõem a programação do festival que são: “Greta” de Armando Praça, “Se Arrependimento Matasse” de Lilia Moema, “Marco” de Sara Benvenuto e “Iracema Mon Amour” no qual dirijo e sou roteirista. Significa muito ter esses filmes sendo exibidos nesse momento do país, momento em que as artes, de maneira geral, estão ameaçadas por uma gestão que não entende de políticas públicas, e os artistas passaram a ser tratados com descaso e até violência, muitas vezes. As pessoas, muitas vezes, não entendem a importância da educação e cultura. Elas são imensuráveis e fazem uma diferença absurda numa sociedade. É uma grande alegria pessoal, mas toda essa conquista é coletiva.
A Praça – O curta ‘Marco’ da cineasta Sara Bevenuto, filmado aqui na região, no município de Cariús, é uma moldura do interior do Brasil, retrata o sertão, sua gente e seus dramas pessoais. Qual foi sua assinatura no filme?
César – O “Marco” de Sara Benvenuto, que também é iguatuense, amiga pessoal e parceira, é um filme que trata sobre questões familiares e universais. O drama vivido pela protagonista poderia acontecer em qualquer lugar do mundo. Mas a nossa conexão e vivência maior é com interior e queríamos tratar também dessas relações de poder, das questões familiares, do patriarcado e da força feminina. Eu produzi o filme desde o início, conversamos muito sobre a escolha do elenco e equipe. Buscamos locações, foi uma troca muito bonita, muito conectada. Infelizmente, por conta de um outro trabalho, eu não pude estar durante as filmagens.
A Praça – O longa ‘Bacurau’, lançado recentemente, tem características muito semelhantes com ‘Marco’ e ‘Pacarrete’. Você viu o filme? Ficou essa impressão também para você?
César – Fui na pré-estreia de “Bacurau” em Fortaleza, o novo filme do Kleber Mendonça Filho, diretor de “Aquarius”. É um grande filme, em todos os sentidos da palavra. É político, é forte e tem um elenco excepcional. Além da Sônia Braga, temos cearenses brilhando como o Silvero Pereira e Rodger Rogério, Fabíola Lieper e Uirá dos Reis, que mesmo sendo carioca vive em Fortaleza há muitos anos. Os três filmes têm questões sociais, políticas e de resistência em suas histórias, mas não tenho essa impressão de imediato, talvez pela estética e narrativa dos três que são bem diferentes.
A Praça – Você tem sido uma pessoa muito importante na realização da Mostra de Cinema de Iguatu. Mas o que aconteceu que não ocorreu mais?
César – Desde 2016 não realizamos a Mostra de Cinema de Iguatu. Esse projeto foi criado em 2009 juntamente com Kamille Costa e em todos esses anos batalhamos muito para a Mostra acontecer. Realizamos seis edições, muitas delas sem verba nenhuma, na raça, mas com alguns apoios pontuais, como o SESC, que nos apoiou em todas as edições. Independentemente de quem esteja no poder público municipal, esse diálogo sempre foi irregular. A impressão que tenho é que qualquer apoio vindo das gestões municipais são um enorme favor para nós e não para um projeto que vinha se consolidando como um dos mais importantes do interior do Estado. Foram seis edições, dezenas de filmes, oficinas, workshops, tudo gratuito. Vínhamos buscando uma formação de público e o interesse pela Mostra era crescente e existe até hoje. Não desistimos dela, inclusive, estou tentando de todas as maneiras realizar a sétima edição ainda esse ano. Busquei um diálogo com o deputado Marcos Sobreira, que preside na Assembleia Legislativa a comissão de Cultura e Esporte, mas sem sucesso. Da mesma maneira com a atual gestão. Eu realmente não entendo o descaso com a Cultura por parte dos representantes. É desmotivador e ao mesmo tempo é desafiador pensar cada edição da Mostra e ela vai voltar mais potente do que nunca. Nós poderíamos fazer uma mostra nesses moldes em qualquer outra cidade, mas para nós é importante que seja no Iguatu, que é a nossa cidade, onde temos raízes e laços de muito afeto.
A Praça – Você está atuando em alguma produção atualmente? O que você ainda quer fazer pelo cinema?
César – Eu trabalho com audiovisual há quase quinze anos. Era um sonho que se tornou realidade. Nesse tempo foram inúmeros aprendizados e projetos, o bom é que o cinema é dinâmico, a cada projeto muda quase tudo. Estamos num momento crítico politicamente, temos um presidente que não entende a importância da cultura e entende menos ainda de políticas culturais. Muitos projetos estão estagnados por conta disso. Existem muitas incertezas para o setor e para as artes de uma maneira geral. Atualmente, estou produzindo uma série de cursos que vai circular pela periferia de Fortaleza, democratizando acessos e trabalhando junto com coletivos de audiovisual. Um projeto que conta com o apoio do Governo do Estado do Ceará através do Edital Cinema e Vídeo de 2016. Além disso, estou tentando viabilizar a Mostra de Cinema de Iguatu ainda esse ano, porque acho simbólico demais que ela volte a acontecer num momento como esse, de tantas incertezas e precisamos resistir. Quero fazer muita coisa no cinema e pelo cinema, tentar retribuir o tanto que ele já fez e faz por mim.
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