Moro sai menor do governo de Jair Bolsonaro do que entrou. Seu pronunciamento foi um misto de delação e mea culpa. Traiu-se pelo gogó. Percebendo salários avantajados por mais de 20 anos, abriu mão dos mesmos em troca de um Ministério que lhe apontaria o caminho para o STF, e, na moita, negociou pensão para a família se algo de pior lhe ocorresse. Mas esqueceu de dizer de onde viria o dinheiro espúrio, embora reconheça ter guardado a sete chaves o que, agora, deixava de ser um segredo. Como digno?
Como em briga de casal, a deixar o ex-ministro de cuecas, poucas horas depois de seu depoimento-delação, veio a afirmação do seu ex-chefe de que teria imposto uma condição para cortar numa canetada a cabeça do amigo e então chefe da PF Maurício Valeixo: ser indicado para a vaga no STF a ser aberta em setembro com o afastamento compulsório do decano Celso de Mello.
Pior: se as pressões do presidente no sentido de obter informações sigilosas da PF, como afirmou seguidas vezes ao longo de sua fala, vinham de há muito tempo, por que só agora decidiu romper com Jair Bolsonaro? Para a prática de ilícitos, ignorou Moro, não existem limites, o que equivale a dizer que não existe corrupto pela metade. Como digno?
Moro, que já fora publicamente humilhado por suas falcatruas à frente da Lava Jato, conforme provado pelo Intercep Brasil; que condenou sem provas o ex-presidente Lula com o fito de pavimentar o caminho de Bolsonaro até o Planalto e ganhar por troca um ministério; que se curvou calado diante de crimes de milicianos ligados à família Bolsonaro; que encarnou à perfeição os Três Macacos Sábios do folclore japonês (não ouço, não vejo, não falo) em face do sumiço do Queiroz, sai do governo de Jair Bolsonaro muito menor do que entrou. Como digno?
Em meio às titubeantes acusações que só agora, contrariadas as suas pretensões pessoais nada republicanas, resolveu fazer, chama a atenção o fato de ter finalmente reconhecido que os governos do PT asseguraram sempre a autonomia da Polícia Federal. Do conjunto da ópera, todavia, mais uma desfaçatez se faz perceber: ao declarar-se à disposição do país, idos por terra os sonhos supremos, Moro aproveita o ensejo de sua saída do governo, a que serviu como um cordeirinho acuado por quase dois anos, para dizer-se sem emprego e lançar-se candidato a presidente. Como digno?
Quanto a Jair Bolsonaro, não vou chutar cachorro morto. A ilustrar o que poderia ser dito, reporto-me a dois casos conhecidos na história política do país. O segundo desses casos, a propósito, relembrado por Fernando Haddad em coluna no jornal Folha de S. Paulo deste sábado, 25.
Nos anos 30, prefeito de Palmeiras dos Índios, Alagoas, Graciliano Ramos foi pressionado pelo pai a adotar, ao arrepio da lei, medidas contra a apreensão de suas vacas por pastarem em praça pública, ferindo o que o velho Graça havia determinado. Ao pai, viria a afirmar: – “Prefeito não tem pai!”
Em 2007, o petista Tarso Genro à frente do Ministério da Justiça, Lula foi pressionado por militantes do partido a interceder contra operação envolvendo seu irmão Vavá em práticas de crimes jamais comprovados. Nada fez e a operação prosseguiu. Procurado pelo irmão algum tempo depois, para saber se fora informado da referida operação, Lula respondeu: – “Quem foi informado foi o presidente da República, não seu irmão”.
Sem que nada fosse provado contra ele, Vavá morreu, e Lula, preso em Curitiba, foi impedido de ir ao enterro.
Tire o leitor suas conclusões.
Álder Teixeira é Mestre em literatura Brasileira e Doutor em Artes pela Universidade Federal de Minas Gerais
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