Contra tudo: um ano de Sebo

07/05/2022

Em fins de abril para o início de maio, resolvi criar um sebo virtual. A primeira foto, que passou a ser a foto oficial da página, retratava um Machado de Assis maduro, próximo de terminar a carreira, deixar a vida e não levar dela muita fé. Carolina estava morta e Machado, mais uma vez, se encontrava só no mundo.

Naquele momento a escolha de tal foto parecia aleatória, sem nenhum significado, exceto o gosto de quem a escolheu. Mas, com o passar dos dias, ela passou a dizer muitas coisas. Um ano se passou desde então – escrevo um dia após completar um ano da primeira publicação do Sebo Centro-Sul.

A imagem de um Machado reflexivo, com ares quase míticos de estátua grega, como insinuou Joaquim Nabuco, é emblemática porque ela faz lembrar o quanto se pode ir além com tão pouco. E era o que este que vos escreve tinha: alguns livros antigos e gastos, em sua maioria comprados em sebos físicos cuja existência, aqui em nossa cidade, era quase desconhecida.

Estávamos no olho do furacão da pandemia ainda. As restrições ainda existiam, sobretudo a financeira. Pairava no ar a sensação de medo, de incerteza e de tédio, por mais paradoxal que isso possa parecer. Por que, então, criei um Sebo? A bem da verdade, isto permanece um mistério para mim mesmo.

Às vezes conto a quem me pergunta, a título de galhofa, que estava bebendo e entediado, daí pensei: por que não? Mas isso não expressa toda a verdade. Por acaso eu desconhecia a existência de leitores(as) em nossa cidade?

Certamente eu sabia da existência deles, embora nunca tenha participado de agremiações, ou mantivesse contato com grupos de leitura, rodas universitárias e coisa que o valha.

Há um ditado entre os livreiros e donos de Sebos que diz o seguinte: “Você não encontra o livro. O livro é que encontra você”. Talvez isto explique melhor as coisas. Assim, foi o Sebo que me encontrou.

Pensei em vários nomes, mas todos eles eram limitantes. Um sebo que se preze tem de vender de tudo, eu sabia. Um sebo precisa ter o gosto do inesperado: quando você encontra um livro que buscava há tempos, ou o livro numa edição que marcou sua passagem pelo ensino médio, na qual a leitura não obrigatória é o refúgio dos excluídos e a lanterna dos afogados.

Eu também estava ciente, à época, que o “Home Office”, como se denomina hoje, já era uma realidade irremovível.

A verdade é que estava descontente com as coisas à minha volta. Queria mudar, ainda que fosse uma mudança pequena.  E foi esta pequena mudança que trouxe uma mudança radical.

De um ano para cá, abandonei um emprego, colecionei histórias, travei contato com livreiros, fiz amigos. Nunca me passou pela cabeça o medo de competir com as grandes impressas, com as mega corporações. O sebo sempre terá um público, um lugar ao sol.

Quando encontro uma carta antiga dentro de um livro, uma dedicatória, um adeus, um telegrama; uma flor amassada entre páginas e murcha pela ação do tempo; uma risada não escrita, uma lágrima não marcada nas páginas, um lamento pelo fim de uma relação longeva, vejo que o sebo tem algo único, inimitável. O sebo, como alguém já assinalou, sobreviverá às traças e às guerras.

Encerro aqui fazendo os agradecimentos. Agradeço ao jornal A Praça, para o qual escrevo, pela reportagem inesperada acerca da criação do sebo: foi por meio desta reportagem que dezenas, centenas de pessoas tiveram conhecimento de nossa existência.

Agradeço em especial ao meu colega, o ilustre Prof. José Roberto, que teve a ideia de fazer a reportagem. Meus agradecimentos ao Dr. Paulo de Tarso, que sempre nos incentivou a continuar, bem como elogiou diversas vezes nosso trabalho.

E deixo o agradecimento mais importante por último: agradeço a todos vocês, leitoras e leitores de Iguatu e região, bem como das diversas cidades brasileiras, por fazerem do nosso sebo o que hoje ele é: um lugar de encontro e nostalgia.

Sem vocês, nós não teríamos continuado até aqui.

Marcos Alexandre: Pai de Edgar, leitor, Professor de literatura e redação, cinéfilo e aspirante a escritor.

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