‘‘O álcool tira as ilusões.
Depois de alguns golos de conhaque
já não penso em ti.’’
– Marguerite Yourcenar
Devaneio I
‘‘Meu coração é um balde despejado’’, frase contida no impecável poema ‘‘Tabacaria’’, do Álvaro de Campos (heterônimo utilizado por Fernando Pessoa). Já um amigo meu, culto, fino escritor, diz algo como: ‘‘O coração de um homem é como o convés de um navio: está cheio de marcas, furos, avarias de toda sorte, causadas pelo tempo.’’
Já eu, fico com as duas proposições. No final, querem transmitir a mesma essência dolorosa do dissabor da desilusão, da derrocada, da senda findada. Foi bem assim que começamos um caloroso colóquio envolto em copos cheios, fumaça de cigarro e, de quando em quando, pilhérias ardilosas. É assim que homens esquecem, ainda que por um átimo, das suas dores internas.
Trancafiamos os espíritos que nos atormentam no soturno sótão. É a nossa espécie de bacia das almas. Mas, nesse caso, o perdão não dissipa as fantasmagóricas experiências, que insistem em permanecerem no recôndito do nosso ser… E assim vamos vivendo… ou melhor, existindo…
***
Devaneio I!
Nenhuma pessoa é, em si, verdadeiramente valorosa. Este tal valor lhe é aferido mediante expectativas contempladas por quem assim lhe atribuiu tal medida. Trata-se, tão somente, de um erro de conceituação, de projeção, de prefiguração – a ser posteriormente revelado pelo intermédio da decepção.
Assim, culpabiliza-se a outrem, não pelas características que são as suas, mas pelas que este indivíduo supunha conhecer no outro como reais. A via de terceiros perpassa o caráter analítico, de tal modo, que, confunde-se a associação de um ideário puramente ilusório a um fato absoluto.
Cauby Fernandes é contista, cronista, desenhista e acadêmico de História
0 comentários