Lúcia Miguel Pereira, com sua obra Machado de Assis, consolidou-se como a biógrafa definitiva do nosso maior escritor. À página 22 desta obra ela escreveu: “nele, o homem e o artista estão estreitamente ligados”.À página 23: “há nos seus livros muito de autobiográfico”.Fiquemos com dois pequenos trechos, mas há muitos mais deste teor e quilate. Lúcia, após apurada pesquisa, acredita, como nós, que não se pode jamais separar o homem da obra.
Conclusão lógica e irrefutável (e o crivo é nosso): Assim como não existe o eu lírico na poesia, não existe o narrador virtual na prosa. O homem sempre é a obra.Machado de Assis, o escritor, é exatamente o mesmo homem que nasceu pobre, negro, com graves doenças como a epilepsia e a gagueira. Introvertido, cheio de complexos de inferioridade, buscou toda a vida ajustar-se socialmente. Quis sempre pertencer à elite, à aristocracia. Espiritualmente já o era devido à genialidade de sua obra. Então sempre fugiu da pobreza, de suas humildes origens, de sua condição étnica. Isto é absolutamente compreensível.
Não existe – é preciso deixar bem claro – o Machado de Assis “político”, o politicus homo no aristotélico sentido. Levemente liberal, na juventude, porque trabalhava em um jornal com tais tendências. Nunca teve qualquer convicção republicana ou mesmo abolicionista. Passou-lhe ao largo a causa dos negros. Na maturidade, ajustado ao status quo de um servidor do Estado, calhou-lhe bem melhor o viés conservador, muito mais coerente com a têmpera de um escritor clássico. Sem dúvida alguma simpatizou com a monarquia. Nobilis animam habuit. Certamente teria aceitado um título de nobreza se o Imperador lhe tivesse concedido.
Não entende Machado de Assis, ou não sabe ler, completo inepto, quem não vê no escritor o próprio homem. Um absenteísta em política, um desejoso de ser elite e áulico, um ser completamente ausente – felizmente – do seu tempo. Não existe (convençam-se pseudocríticos) qualquer sentimento de brasilidade em Machado de Assis. A não ser quanto ao vernáculo, que nobremente nos veio de Portugal, O autor de Dom Casmurro não traz nada destes pobres trópicos. Produziu obra genial e atemporal porque foi clássico, de índole europeia, sem vulgares experimentalismos e oralidades. Machado ateve-se aos temas eternos, às motivações do Universalis Homo. É preciso lê-lo assim, sem contingências vulgares. Classicus strictu sensu.
Críticas reducionistas e míopes como a sociológica e a psicológica, leituras ridículas sobre um suposto narrador fora do âmbito e da dimensão do eu biográfico prestam um desserviço e ofendem a memória do nosso maior escritor da prosa. O homem e o escritor são a mesma realidade. Amemos o verdadeiro Machado de Assis!
Professor Doutor Everton Alencar
Professor de Latim da Universidade Estadual do Ceará (UECE-FECLI)
0 comentários